sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Fugindo à luta

por Olavo de Carvalho

Com raras, honrosas e inevitáveis exceções, a única reação que os liberais e conservadores neste país têm oferecido à ascensão irrefreável da esquerda consiste em apologias da economia de mercado, eruditamente explicada como superior à política estatista ou socialista. Por santas que sejam as suas intenções, e por mais acertados os argumentos que emprega, essa forma de luta é absolutamente inócua. Os esquerdistas riem dela. Riem mais ainda quando ela usa como embalagem uma retórica “progressista”, calcada no slogan idiota de que o socialismo é coisa do passado. Coisa do passado é imaginar que a estatização da economia constitui o objetivo primordial do esquerdismo e que combatê-la é a coisa mais urgente a fazer em defesa da democracia capitalista. Essa concepção do socialismo correspondia à realidade dos anos 30 e 40, quando nações inteiras foram repentinamente submetidas ao sistema de economia centralizada, não somente por iniciativa dos comunistas mas também dos fascistas e nazistas. Tudo o que era preciso dizer contra essa tendência foi então dito por Friedrich von Hayek e Ludwig von Mises. Repetir os argumentos desses dois grandes economistas em 2008 é combater um inimigo que não existe mais, fechando os olhos para o avanço daquele que existe. Quando um liberal chama os comunistas de “dinossauros”, ou proclama, como a última edição de “Veja”, que eles ainda vivem no tempo dos tílburis, ele está projetando sobre eles o anacronismo da sua própria visão do comunismo.

Karl Marx ensinava que a estatização da economia deveria ser um processo lento e gradual, prolongando-se por décadas ou séculos e realizando-se por etapas anestésicas e não traumáticas, como o imposto de renda escalar e a supressão progressiva do direito de herança por meio da taxação crescente. Acreditando que o socialismo surgiria de dentro do próprio capitalismo tão logo este fosse levado às suas últimas possibilidades de desenvolvimento, ele entendia, logicamente, que a supressão forçada e repentina do livre mercado traria a paralisação geral da economia e a extinção do próprio socialismo.

Essa lição foi esquecida tanto na URSS quanto na China, daí resultando que, mesmo antes do fracasso desses dois regimes, muitas críticas à economia de um e de outro já circulavam dentro do próprio campo socialista, não raro associadas à condenação dos aspectos mais brutais do totalitarismo, que, segundo esses críticos, uma política ortodoxamente marxista teria podido evitar (ilusão, é claro: Marx nunca ocultou que mesmo sua idéia da socialização progressiva só poderia ser implantada mediante a liquidação sistemática “de povos inteiros”).

A autodissolução da URSS e a abertura da China ao capital estrangeiro, longe de constituirem uma vitória pura e simples das democracias capitalistas, resultaram de um upgrade autocrítico do movimento comunista, que, na boa tradição de Lênin, deu mais uma vez “um passo para trás para dar dois para a frente”, só que agora um passo gigantesco, de dimensões mundiais.

Longe de se desmantelar como previam os triunfalistas liberais, o movimento comunista se reorganizou rapidamente, trocando a velha hierarquia de tipo militar por uma estrutura flexível na forma de “redes” e em poucos anos redobrou sua força, dominando praticamente toda a grande mídia ocidental e fazendo dela um instrumento dócil da guerra cultural e do anti-americanismo militante. Vendo-se acossado por um inimigo que ele próprio declarava morto, o governo de Washington respondeu com um subterfúgio verbal tão estúpido quanto ineficaz, declarando que o único inimigo era agora o “radicalismo islâmico” e recusando-se a enxergar a ação russa e chinesa por trás da agitação frenética das multidões de fanáticos muçulmanos. O resultado foi que os EUA perderam sua mais próxima área de influência no mundo, a América Latina, hoje dominada por partidos frontalmente anti-americanos e em vias de transformar-se numa gigantesca versão cucaracha da velha URSS.

Na mesma onda de mudanças estratégicas, o movimento comunista abdicou do estatismo radical, reconhecendo que uma quota aliás bem grande de livre mercado é indispensável à sobrevivência dos regimes socialistas, mesmo os mais autoritários.

A essa altura, a pura defesa da economia de mercado, sobretudo se acompanhada de desprezo economicista pela guerra cultural e pela formação de uma militância conservadora adestrada no estudo da estratégia marxista, é um anacronismo completo, uma forma de alienação que só pode levar às mais devastadoras conseqüências.

Na verdade, se tantos políticos e intelectuais liberais se apegam a essa atitude autocastradora, é não só porque sua mentalidade empresarial se sente mais à vontade no front econômico do que no político ou cultural, mas porque sabem instintivamente que a luta aí desenvolvida suscita respostas menos ferozes da esquerda do que ataques desferidos em pontos mais vitais do esquerdismo. Não por coincidência, essa opção pela fuga sistemática ao combate – que Lênin diagnosticava como sinal de morte iminente – vem junto com um esforço de manter, nos debates com a esquerda, uma polidez medrosa, ilusoriamente sedutora, que os esquerdistas, por seu lado, desprezam em troca de uma retórica cada vez mais truculenta e ameaçadora. Em vão o Hino Nacional proclama: “Verás que um filho teu não foge à luta.” Tornou-se praticamente impossível mostrar aos liberais brasileiros que a covardia não é uma modalidade superior de realismo.

Global Warming or Global Governance?

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Yes, nós somos de esquerda

por Maria Lucia Victor Barbosa
no DiegoCasagrande.com.br


Em poucas palavras Jean-François Revel, no prefácio da magistral obra de Carlos Rangel, Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário, mostrou a trajetória de séculos da América Latina: “A história da América Latina prolonga a contradição que lhe deu origem. Oscila entre as falsas revoluções e as ditaduras anárquicas, a corrupção e a miséria, a ineficácia e o nacionalismo exacerbado”.

Sem dúvida, essa apropriada análise feita por Revel, em 1976, não se alterou em essência. E é uma realidade da qual o Brasil, com algumas nuanças e diferenças, também faz parte.

Essa história de fracassos e frustrações é confrontada com uma humilhação adicional: o êxito quase indecente para os latino-americanos, dos Estados Unidos. Acrescente-se que a incapacidade para construir Estados democráticos modernos e economias prósperas conduziu a América Latina à tendências revolucionárias, muitas de cunho esquerdista e capitaneadas por lideranças populistas, que trouxeram a seus países mais fracasso e miséria.

Para citar alguns exemplos lembremo-nos da revolução mexicana de 1911, do socialismo peruano de 1969-1974, do justicialismo peronista que arruinou a então próspera Argentina e a mais marcante de todas: a revolução cubana que destruiu a economia da Ilha e a manteve sob o totalitarismo implacável de Fidel Castro. Este, porém, se tornou o símbolo da desforra contra os Estados Unidos e, apesar das atrocidades que cometeu contra os que ousaram contestar seus métodos soviéticos, encarnou o mito do “bom revolucionário”, a figura que encanta o imaginário coletivo latino-americano, ou seja, uma espécie de D. Quixote do comunismo de terceiro-mundo, enquanto o sanguinário e psicopata Che Guevara é até hoje louvado um Cristo laico.

Fidel foi e é a desforra contra o sucesso insuportável dos Estados Unidos. Por isso, yes, orgulhosamente somos todos de esquerda, o que inclui o glorioso governo petista. O maldito império norte-americano só serve para fazermos cursos, turismo, tratamento de saúde, compras. Milhões de brasileiros se evadem para lá viver, trabalhar, ganhar em dólar, esse excremento do diabo. Mas não sabemos o porquê disto já que o Brasil de hoje, sob o governo de Lula da Silva, se converteu num paraíso onde o trabalho é abundante, só existem classes alta e média e a Saúde e a Educação são exemplos magníficos para o mundo.

No momento a grande sensação é a Olimpíada de Pequim. Afinal, a China encarna um império de esquerda. Á bem da verdade a China é capitalista na economia e comunista na política, modelo sonhado para nós pelo ex-revolucionário teórico, ex-ministro, ex-deputado e ainda todo-poderoso das sombras, José Dirceu. Quem sabe chegamos lá no terceiro mandado.

Portanto, não importa se a China viola direitos humanos com sua tradicional crueldade. Também não interessa se a China, com milhares de execuções por ano, é responsável por mais da metade das execuções que ocorrem em todo planeta, se deixa bebês do sexo feminino morrendo nas sarjetas, se tortura crianças desde bem pequenas para que se tornem os atletas perfeitos das Olimpíadas com um falso sorriso afivelado no rosto.

O trajeto da tocha olímpica pelo mundo foi marcado por protestos, especialmente com relação ao Tibete, o que para brasileiros deve ter soado como algo desconhecido ou sem interesse. Será que algum compatriota se perguntou diante da repressão chinesa aos protestos em prol do Tibete, pelo menos porque diabos aquilo estava acontecendo?

Poucos no Brasil devem saber que no Tibete o genocídio perpetrado pelos chineses foi marcado por requintes de atrocidade sinistra e as mortes violentas atingiram uma proporção mais numerosa do que em qualquer outro território do conjunto chinês. Segundo o Dalai-Lama, “os tibetanos não foram apenas fuzilados, foram espancados até a morte, crucificados, queimados vivos, afogados, mutilados, mortos por inanição, estrangulados, enforcados, cozidos em água fervente, enterrados vivos, esquartejados ou decapitados” (O Livro Negro do Comunismo). Também, centenas de milhares de tibetanos tornaram-se prisioneiros em campos de concentração e mais de 170.000 morreram no cativeiro. Além disto, houve o genocídio cultural com a destruição de templos e de seus manuscritos seculares, afrescos, estátuas, relíquias, tudo destroçados pela brutalidade chinesa.

Os protestos havidos durante a passagem da tocha, que no Brasil não veio, tentaram relembrar ao mundo esses horrores e os infelizes tibetanos que ainda vivem subjugados no seu país de neve e de deuses. Isto, porém, não nos interessa porque, yes, nós somos de esquerda. Sem medo de ser felizes fomos à Pequim e reeditamos nos jogos nossos fracassos e frustrações históricos expressos nos pífios resultados obtidos.

Sobre pão e cultura

por Pedro Sette Câmara, no Ordem Livre

O dinheiro é uma espécie de linguagem – a verdadeira linguagem universal. Pagar por algo nada mais é do que atribuir-lhe um valor usando um código reconhecido por todos. Pago sem pestanejar por meu ingresso de cinema porque atribuo a ele um valor até maior do que o sugerido. Para mim, é vantajoso ver certos filmes pelo valor estabelecido. Isso pode ser dito de outra maneira: gosto de “conversar” com certos filmes. Mas essa conversa se estende a várias pessoas: o dono e os empregados do cinema, da distribuidora, do estúdio que produziu, e até com o diretor e o elenco. A linguagem circula. Eu recebo algo, e dou algo em troca. Todas as partes julgam ter recebido um bem – ou simplesmente não teriam entrado na conversa.

Essa conversa universal, que antecede a internet em milhares de anos e se chama mercado, depende de uma belíssima atitude, que é a atenção ao outro. Nessa conversa, não podemos impor nossas idéias nem nossas palavras, sob o risco de morrer de fome. Para obter um pão, preciso dar ao padeiro o que ele quer – o dinheiro do pão. O padeiro, igualmente, precisa me oferecer o pão que eu desejo, não o pão que ele deseja, nem o que ele acha melhor. É o meu gosto que tem de ser atendido. E assim como um filme depende do trabalho de centenas e até milhares de pessoas para chegar até mim, o pão também depende de muita gente, desde aqueles que plantaram o trigo até a moça do caixa.

Imagine, porém, que os clientes de pão sejam bem poucos. Dezenas, talvez. Todos eles têm muito mais dinheiro para gastar com pão do que uma pessoa comum. Em vez de comprar um pouco de pão todo dia, eles compram esporadicamente vastas quantidades de pão. Os padeiros só precisam agradar a eles. Os padeiros só precisam dizer o que esses clientes querem ouvir. O primeiro e mais evidente resultado é que a variedade de pão diminui, e aqueles que não o consomem logo começam a confundir a idéia mesma de pão com dois ou três tipos dele. Os clientes que só poderiam comprar pão em pequenas quantidades, ainda que diariamente, percebem que os produtores não estão conversando com eles, não estão nem mesmo dirigindo-lhes a palavra, e, sem a menor belicosidade, acabam até esquecendo que o assunto existe.

Sinta-se agora à vontade para fazer uma analogia com o desinteresse de grande parte do público pelo “cinema brasileiro”, como se ele fosse um gênero e não um acidente geográfico, e, caso mais grave, pelo teatro em si. A situação hipotética dos pães é análoga a qualquer situação em que haja

Essa situação hipotética é análoga à situação real criada pela Lei Rouanet e pelas dificuldades de empreendimento, inclusive cultural, existentes no Brasil. Os produtores culturais aprovam seus projetos – e, justiça seja feita, o Ministério da Cultura não é de sonegar aprovações – e vão buscar patrocínio, que é concedido por meia dúzia de diretores de marketing. Ou então os produtores vão em busca de editais para ter seus projetos julgados por comissões. De qualquer jeito que se olhe, o cliente final de cada projeto é o diretor de marketing ou a comissão, pois deles é que o projeto depende. O cliente não é o público em geral, nem um segmento deste, mas o microscópico segmento daqueles que têm poder de liberar verbas – de comprar vastas quantidades de pão de uma só vez, e que não o fazem todos os dias. O grande público permanece alheio não por ser ruim, mas por ter sido sistematicamente alienado desde o início. É só por acidente – um acidente bem vindo, mas ainda assim um acidente – que ele se interessa por um desses produtos culturais que não esperam que ele contribua de maneira decisiva para a conversa. Isto é, que contribua com seu dinheiro, atribuindo valor ao que está ouvindo.

É também por isso que, apesar de ter dois terços da população dos EUA, o mercado cultural brasileiro é dezenas de vezes menor: porque a conversa está restrita a muito pouca gente. Essa restrição nasce do narcisismo artístico que considera que agradar ao público é uma espécie de rebaixamento e que sua atividade é digna de privilégios, de um tratamento diferenciado. Ninguém acharia que um padeiro que pretende fazer pães que ninguém quer comprar merece privilégios, mas por um produtor ou diretor que queira fazer um filme ou uma peça que ninguém quer ver merece um subsídio indireto. Como no narcisismo, essa atitude fecha essas pessoas em si mesmas: o diretor pode atribuir a si o salário que quiser, em vez de ter o valor de seu trabalho atribuído por outra pessoa, como acontece com todo mundo. Cria-se uma situação sem risco, na qual só quem está no topo ganha muito dinheiro e ninguém perde. Ninguém aposta. Nem o diretor de marketing, nem as comissões, porque estão lidando apenas com o dinheiro dos outros. E isso contribui para tornar as obras ainda mais ininteligíveis: sem a necessidade de ser aceito e entendido, de levar o outro em consideração, os artistas podem pirar à vontade. O Brasil precisa, isso sim, do investidor cultural: aquele que vai prestar a máxima atenção no público e vai assumir pessoalmente os riscos de produção de qualquer obra. Dessa maneira, as obras vão ganhar relevância, vão inserir-se na vida, vão dirigir-se a pessoas e vão obter respostas. E a nossa produção cultural, que já vem sofrendo os efeitos nefastos dessa pouca circulação, desse cruzamento perpétuo entre as mesmas pessoas, vai passar a desfrutar de todos os benefícios da variedade genética.

Um cristão pelo capitalismo

por James Gwartney, via Ordem Livre

Muitos líderes cristãos – evangélicos, protestantes tradicionais e católicos – parecem acreditar que o capitalismo é injusto e que talvez seja necessária mais intervenção governamental para humanizá-lo. Embora muitos de nós que somos economistas e cristãos consideremos essa visão equivocada, às vezes não temos argumentos suficientes para ajudar a mudá-la. Mas eu gostaria de oferecer alguns.

O que eu defendo, quando falo sobre o capitalismo, é uma ordem social que se mobilize para proteger a propriedade de alguém, caso ela tenha sido adquirida sem o uso da violência, do roubo ou da fraude; e que confie primeiramente nos preços do livre mercado para a alocação de bens e serviços – o sistema social fundamental dos Estados Unidos. Aqui estão algumas razões pelas quais os cristãos devem pensar com mais carinho sobre esse tema.

O capitalismo recompensa e reforça a prestação de serviços a terceiros. No capitalismo, a renda de uma pessoa é diretamente relacionada à sua capacidade de fornecer bens e serviços que melhorem o bem-estar dos outros. Os vencedores no mundo dos negócios são aqueles que descobrem o que os consumidores desejam e lhes oferecem um negócio melhor do que encontrariam em outro local.

Além disso, essas iniciativas colocam pressão sobre outras empresas para que sirvam melhor os consumidores, como você perceberá se observar como os varejistas reagem à abertura de uma nova loja de produtos baratos. Claro que os homens de negócios não devem se preocupar com outras pessoas, como os cristãos são guiados a fazer. Porém, se desejam ser bem sucedidos, eles devem servir a seus consumidores melhor do que a concorrência. Em essência, a competição força os homens de negócios a agir como se preocupassem com os outros.

O capitalismo abastece as massas, não apenas a elite. Para se obter um grande sucesso no capitalismo, você deve produzir algo que atraia muitas pessoas. Henry Ford se tornou um multimilionário por produzir automóveis a preços baixos, que cabiam no orçamento da massa de consumidores. Por outro lado, Sir Henry Royce morreu com uma modesta riqueza. Ele desenvolveu um carro bem superior ao de Ford, o Rolls Royce, mas o desenvolveu para os ricos. O mercado o recompensou de acordo com a sua escolha.

O capitalismo cria oportunidades para realizadores de todas as origens socioeconômicas subirem na escala social. Não é coincidência que as pessoas pobres do mundo corram em direção aos países capitalistas, ao invés de para longe deles. Os pobres trabalhadores mexicanos arriscam suas vidas por oportunidades de trabalho nos Estados Unidos. Na Europa, os soviéticos construíram um muro para evitar que mais pessoas fossem para o ocidente capitalista. No sudeste da Ásia, as pessoas são atraídas por Hong Kong, Taiwan, Tailândia e outros países capitalistas. Por quê? Porque o capitalismo fornece oportunidades para aqueles que desejam o sucesso.

Nos Estados Unidos, os que antes eram refugiados pobres estão obtendo sucesso, seja trabalhando em restaurantes, dirigindo táxis ou fazendo negócios. Um estudo recente descobriu que quase metade das famílias que faziam parte dos 20% mais pobres nos Estados Unidos em 1971, tinham subido bastante na escala econômica já em 1978. Nenhum outro sistema fornece mais oportunidades para avanços com menos rigor social embutido.
O movimento escala abaixo também acontece: as riquezas de hoje não garantem seu sucesso amanhã. Como o Deus dos cristãos, o capitalismo “não faz acepção de pessoas.”

O capitalismo protege as opiniões minoritárias. Quando as decisões são tomadas politicamente, as visões minoritárias, geralmente, são suprimidas. Por exemplo, em uma escola pública, a maioria decide se serão permitidas orações, se haverá aulas de educação sexual e qual deverá ser a ênfase nas habilidades básicas. Aqueles que não concordam com a decisão deverão desistir ou então pagar duas vezes pela educação, uma vez nos impostos e outra nas mensalidades da escola privada.

Um sistema de mercado permitiria que cada minoria fosse representada. Por exemplo, sem interferir na liberdade dos outros, alguns pais poderiam enviar suas crianças para escolas que permitem orações. Cristãos praticantes, que freqüentemente se encontram em minoria, deveriam apreciar esse aspecto do capitalismo, que permite que pessoas tenham objetivos diferentes sem conflito ou rancor.

Mesmo aqueles que conseguem ver essas vantagens ainda podem acreditar que o capitalismo é materialista demais. É verdade que esse sistema possibilita às pessoas ter prosperidade e algumas pessoas acabam tendo problemas em sua busca por riquezas. Porém, o capitalismo não força os indivíduos a cultuar o “dólar sagrado”. Os indivíduos são tão livres para ser cristãos ascetas quanto para ser hedonistas.

Às vezes, os cristãos argumentam que o capitalismo promove a desigualdade, favorecendo os ricos. Porém, a desigualdade está presente em todos os sistemas econômicos. As pessoas que têm as melhores idéias, as mentes mais criativas e mais energia, tendem a subir ao topo da burocracia socialista, exatamente como aconteceria em um sistema capitalista.

Entretanto, as elites em um sistema capitalista possuem menos poder do que as elites em um sistema no qual o governo predomina. Mesmo em uma democracia, os detentores de cargos eletivos possuem mais poder sobre a vida dos outros do que o mais rico dos indivíduos. Os membros do congresso têm o poder de tomar uma porção de nossos rendimentos sem nosso consentimento, algo que David Rockefeller ou os irmãos Hunt não podem fazer, não importa o quão ricos sejam. Além disso, caso as pessoas ricas utilizem suas riquezas de forma improdutiva – ou seja, para o consumo em vez de para o investimento, ou para fornecer coisas que as pessoas rejeitam – ver-las-ão desaparecer com o tempo. Mesmo um milionário que viva de dividendos gerados por suas ações só recebe os frutos de seu investimento se as companhias fornecerem produtos que as pessoas desejam.

É claro que o capitalismo não impõe demandas morais, como o cristianismo. Porém, os sistemas econômicos que buscam aperfeiçoar a natureza humana nos levam com mais freqüência à tirania do que à melhora da raça humana. Os cristãos fariam muito bem ao se satisfazer com um sistema econômico que reforça as virtudes cristãs, melhora os padrões de vida e dá espaço à visões minoritárias. E esse sistema é o capitalismo.

Maurren, Cielo, Giba

por Guilherme Fiúza

A filha pequena de Maurren Maggi falou com a medalhista de ouro ao telefone logo após a conquista. Disse-lhe que queria a prata. A filha pequena de Giba não falou com o medalhista de prata ao telefone. Chorou e desligou.

As Olimpíadas são um evento estranho. Por quem se torce ali? Pelo Brasil? O Brasil ganhou ou perdeu? Tecnicamente perdeu, com três medalhas de ouro e o 23º lugar, atrás da Etiópia.

Ganhou medalha de ouro em constrangimento, com as declarações do Comitê Olímpico Brasileiro. Segundo Carlos Arthur Nuzman, o país avançou em relação a Atenas porque importa o número total de medalhas, e não as de ouro (foram cinco na Grécia).

Descontada a hipocrisia, com as celebrações do tipo “ficamos à frente de Cuba” (aí volta a valer o número de ouros), ou “disputamos um maior número de finais”, o fato é que o Brasil ganhou. Ou melhor, os brasileiros ganharam.

Assim como inventaram que vôlei de praia é esporte olímpico, podem amanhã criar a modalidade cuspe em distância, e o país se encher de medalhas douradas. Também não vem ao caso essa ladainha recorrente sobre investimento público em esporte amador – daqui a pouco vão culpar o Lula pelo Diego Hipólito ter caído de bunda no chão.

O Brasil ganhou porque Maurren Maggi – a atleta, a mulher, a brasileira – é grande. Foi mandada para o inferno com rajadas de moralismo. Ia ficando na História como a saltadora dopada. Mas não ficou, porque não quis.

O Comitê Olímpico não tem nada a ver com a façanha dela. Maurren voltou aos 32 anos para ser a primeira brasileira a merecer uma medalha de ouro individual. Sem histrionismos, sem canastrice no hino nacional, sem declarar que ninguém ia ter que engoli-la. Um show de dignidade.

Giba também tivera que superar o cerco moralista para triunfar na Grécia. O maconheiro problemático conquistou o ouro olímpico sem se vingar de ninguém. Com o apoio do gigante Bernardinho, um general severo que sabe separar as coisas, consagrou-se como o melhor jogador de vôlei do mundo. Ninguém foi convocado a engoli-lo.

O Brasil também ganhou em Pequim no vôlei masculino. A máquina de vitórias comandada por Bernardinho e Giba soube ser destronada. Com elegância e união, sem histeria, sem desculpas esfarrapadas. Os caras, além de tudo, sabem perder. Mais um ouro em dignidade.

Cesar Cielo, completo desconhecido dos brasileiros, foi buscar seu ouro nos 50 metros livres. A prova de maior explosão da natação. Sorry, Phelps, mas o mais rápido do mundo é Cielo.

O furacão brasileiro chorou como um menino no pódio. Soluçava, narrando assim ao seu país sua história de sacrifícios, de solidão longe da família, de abnegação. Não era uma vitória do Comitê Olímpico Brasileiro, nem um case para o debate enfadonho sobre políticas públicas para o esporte.

O ouro é dele. E dos compatriotas que se emocionaram com ele.

Giba vai para casa tentar convencer a filha de que não a abandonou. Maurren tentará convencer a sua de que o ouro é melhor do que a prata. Cielo vai aplacar um pouco a saudade dos pais antes de mergulhar de novo na sua solidão.

Por mais que se queira florear o enredo, o Brasil olímpico é só isso. Até 2012.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Intoxicação democrática

por Carlos Reis
© 2008 MidiaSemMascara.org

Se há alguma atitude inteligente na nossa juventude, essa é a abstenção eleitoral. Pelo menos os nossos jovens estão se preservando para o futuro, se recusando a colaborar com corrupção moral avassaladora que corrói o país.

Percorrendo as ruas de Porto Alegre nesses primeiros dias de agosto de 2008, época de eleições municipais, sintomaticamente aquelas que despertariam maior curiosidade e interesse popular, percebi que a população está apática, desinteressada, não-participativa. Raríssimos carros com propaganda; cartazes, murais, outdoors ausentes. Também não vi um único carro de som. Como acontece isso? Como isso é possível na capital do estado mais politizado do país, se a lenda for verdadeira? Temo responder com a constatação de que a população “mais politizada” do país está intoxicada com tanta democracia. Ressalvo, sem ironias, que esta democracia é repetida e incensada como “consolidada” pela própria voz dos políticos, e não a sua maioria, mas a sua totalidade.

A apatia, o desinteresse, a falta de participação em Porto Alegre, Pelotas, Camaquã, que visitei, e que soube de outros municípios menores do estado, estão a declarar que o povo não acredita mais na democracia “consolidada”; que a percebe como farsa, como slogan. O silêncio é a sua maneira de repudiar, de protestar, de se manifestar contra um regime político que tolera e é responsável por 50 mil assassinatos por ano. É a maneira com que responde aos políticos e partidos políticos, e às instituições; é o modo de quem não concorda com a corrupção em escala estatal e gigantesca, e ainda totalmente impune que se abateu sobre o país nesses últimos cinco anos. Pois o que é “revolucionário” senão a participação democrática maciça, unívoca, em massa, de uma população que, se pudesse, viveria a sua vidinha sem a propaganda oficial e semi-oficial, e que a obriga a acreditar e repetir como mantra a ladainha socialista há anos?

Antes de continuar, intercalo agora alguns dados obtidos em pesquisa de opinião do Vox Populi publicada recentemente (12/08/2008). Em resumo a pesquisa mostra que a maioria do eleitorado brasileiro não acredita sequer na lisura dos pleitos. Quase a metade não votaria se pudesse, e 86% acreditam que os políticos não prestam, que são grandes aproveitadores. Um número quase igual a este só vota “em pessoas” e não dá a mínima para o partido a que pertence o candidato. Em Porto Alegre, a juventude em idade mínima de votar não o faz em sua maioria. E uma besta-ícone de uma rádio gaúcha, pseudo-especialista em política mas veterana em desinformação, conseguiu ver uma supostíssima diminuição da taxa de natalidade como motivo desta apatia! O pensamento revolucionário desta besta não prevê a abstenção, a vida não totalitária, não politizada!

Pois aí está uma grande diferença entre autoritarismo e totalitarismo. Estamos sim sob um regime totalitário, disfarçado em democracia “consolidada” (expressão criada no regime protocomunista de FHC). Não vivemos em um regime autoritário, cujo melhor e mais conhecido exemplo por nós foi o regime militar de 1964-1984. Aquele regime militar era autoritário, mas deixava a nossa consciência, a nossa privacidade, a nossa intimidade pessoal, familiar e social, em paz. Aquele regime não se preocupava com o “santinho” do Che Guevara pregado na parede do nosso quarto (não do meu!), desde que não se fizesse uma procissão pública com ele. Aquele regime não incentivava, é verdade, participação política; até fazia restrições a segmentos do eleitorado. Mas o regime totalitário atual, mesmo disfarçado de democracia, quer saber o que eu como, o que eu penso; quer dizer e mandar o que devo ler ou não; que “orientação sexual” eu devo ter ou não. O governo atual faz cartilhas de saúde para recém-nascidos e já os chama de cidadãos. O atual regime lulo-corrupto-comunista fez 1.200.000 grampos telefônicos somente no ano passado! Os militares nunca fizeram nada parecido ou análogo com a tecnologia que dispunham (foram eles que criaram os sistemas telefônicos modernos do Brasil). Nunca houve espias eletrônicos ou mecânicos que vasculhassem a vida pacata de pessoas pacatas. Os comunistas guerrilheiros, foras da lei, que seqüestravam, matavam, assaltavam e prejudicavam a vida social, ah!, estes foram sim ouvidos, presos e impedidos de continuar suas carreiras de crimes. Morreram 400 deles em combate. Nada parecido com os 150 milhões que morreram nas mãos dos fascistas e comunistas totalitários do século XX. Nada parecido com os 100.000 assassinatos na Cuba de Fidel Castro. Nada parecido com o campo de concentração das FARC que os petistas ajudam, protegem e escondem. A grande maioria dos comunistas das décadas de 60 e 70, no entanto, está aí, no governo, riquíssima, fazendo o diabo, sem pecado. E sem inferno, pelo menos enquanto viverem.

Vivemos um regime totalitário que pode tudo, sem impedimentos, ao abrigo das instituições e de grande parte da imprensa paga, como daquela besta, para esconder do povo informações essenciais à verdadeira democracia. É loucura afirmar que regimes totalitários não têm instituições, têm sim! A oposição política se rendeu, aliás, nunca foi oposição de verdade. Mas o povo percebe isso. O povo ao se retirar e repudiar as eleições atuais, de algum modo consegue entender o discurso único socialista, mesmo sem saber ao certo o que é socialismo, o que é comunismo. Todos os partidos já são socialistas. As esquerdas estão sozinhas e tudo podem fazer. Se o governo quiser se relacionar com terroristas narcotraficantes e abrigar e proteger seus líderes (Oliverio Medina, líder do narcotráfico, por exemplo, que o PT impediu de depor na Câmara dos Deputados), ninguém terá coragem ou disposição de obstar. Vivemos em uma prisão ideológica que se materializa dia-a-dia. Os controles do Estado totalitário comunista atual estão sendo apertados cada vez mais. Em breve, eleições serão até desnecessárias – será a democracia aclamativa. O culto ao grande líder, o culto à personalidade, já existe na forma de uma apologia à burrice malandra! Até o idioma pátrio foi brutalizado para caber no entendimento dessa besta de carregar dinheiro.

Então não deve surpreender que o povo se abstenha de tanta “democracia”, que o povo repudie essa intoxicação democrática como pode, porque nem deixar de votar ele pode. Então não admira que as campanhas eleitorais contem com a participação apenas dos próprios candidatos, sujos ou não, cuja esmagadora maioria nem sabe para que trabalha. Muitos até pensam que trabalham somente por eles mesmos. Os mais egoístas e interessados apenas pensando no seu bem estar pessoal nem sonham que estão a levar água ao moinho totalitário. O Big Brother das orelhas grandes agradece.

Gelo do Ártico se recusa a derreter como ordenado

Arctic ice refuses to melt as ordered, via FYI

“Just a few weeks ago, predictions of Arctic ice collapse were buzzing all over the internet. Some scientists were predicting that the “North Pole may be ice-free for first time this summer”. Others predicted that the entire “polar ice cap would disappear this summer”.

The Arctic melt season is nearly done for this year. The sun is now very low above the horizon and will set for the winter at the North Pole in five weeks. And none of these dire predictions have come to pass. Yet there is, however, something odd going on with the ice data.


As you can see, ice has grown in nearly every direction since last summer - with a large increase in the area north of Siberia. Also note that the area around the Northwest Passage (west of Greenland) has seen a significant increase in ice. Some of the islands in the Canadian Archipelago are surrounded by more ice than they were during the summer of 1980.

The Arctic did not experience the meltdowns forecast by NSIDC and the Norwegian Polar Year Secretariat. It didn’t even come close. Additionally, some current graphs and press releases from NSIDC seem less than conservative. There appears to be a consistent pattern of overstatement related to Arctic ice loss.

We know that Arctic summer ice extent is largely determined by variable oceanic and atmospheric currents such as the Arctic Oscillation. NASA claimed last summer that “not all the large changes seen in Arctic climate in recent years are a result of long-term trends associated with global warming”. The media tendency to knee-jerkingly blame everything on “global warming” makes for an easy story - but it is not based on solid science.”

Aborto e Intolerância

por Reinaldo Azevedo

Há formas sutilmente autoritárias de silenciar o debate ou esmagá-lo. O mais corriqueiro hoje em dia é afirmar que se está falando em nome da ciência. Ela seria uma espécie de redutor de todas as contendas, anulando quaisquer outros princípios ou realidades, como ética, moral, crença religiosas etc. Diante dela, todo o resto estaria desautorizado. Assim, em questões que nos dividem, conviria convidar esse juiz neutro: o cientista. Sempre? Bem, imaginem a seguinte situação: quem é o melhor poeta moderno, Fernando Pessoa ou Yeats (podem botar um outro qualquer entre as alternativas)? E o melhor escritor brasileiro: Machado de Assis ou Guimarães Rosa? Ah, chamemos os cientistas. Eles saberão responder essas e outras questões. Os cientistas são como os bárbaros daquele célebre poema de Constantino Kafávis: quando eles chegarem, resolverão tudo. Não precisamos ter moral até lá. Os bárbaros a terão por nós.

Seria, claro, ridículo convocar a ciência para definir o melhor poeta moderno ou o melhor romancista brasileiro de todos os tempos, não? A questão é séria e ampla (!) demais para ser respondida por um conjunto de saberes supostamente inequívocos. Já com a vida humana, tudo parece mais fácil. Sim, um tanto constrangido por meu primitivismo, por este meu viés terrivelmente autoritário, atrevendo-me a falar quando deveria, obviamente, silenciar ou ser silenciado, ouso dizer que sou, sim, contrário a que seja o STF a definir a terceira situação em que o aborto seria legalmente permitido — as duas outras são em caso de estupro e de risco de morte da mãe. Não vejo como o tribunal possa acrescentar um dado novo ao Código Penal. Mas digamos que o entendimento seja o de que pode, sim, fazê-lo. A minha restrição não se restringe ao rito legal: é também de princípio.

E é nesse ponto que o debate sempre desanda. Na minha profissão, no meio em que vivo, e dadas as pessoas com as quais me relaciono, chega a ser quase exótico que me diga “católico”. Há até quem diga: “Ah, vai, Reinaldo, não é tanto assim, né?” Eu, de fato, não sei o que é ser católico “tanto assim” ou “tanto assado”. E também não tenho idéia sobre as fantasias das pessoas em relação a isso: será que rezo, que me mortifico, que acendo velas votivas? “Usa cilício (com “c” mesmo)?”, já me perguntaram. Talvez imaginem que minha opinião em relação ao aborto tenha uma dimensão sobrenatural, com toda a cadeia de horrores conseqüentes — segundo imaginam alguns —, caso eu contrarie as “determinações” de minha fé. Bem, tudo isso é bobagem e, como já disse, fantasia.

Incomoda-me e constrange-me, aí sim, a qualidade de alguns argumentos que, acredito, degradam a vida humana, tornando-a não mais do que derivação de escolhas práticas, pragmáticas, segundo as teses influentes da hora. O cristianismo foi mesmo só essa história de horrores escrita pelos iluministas? Olhem, há uma vasta bibliografia indicando que não. E nem vou, neste texto, estender-me sobre o assunto. Eu, de fato, não me sinto à vontade — e suponho que não me sentiria nem que fosse ateu ou agnóstico, mas não tenho como prová-lo, obviamente — para decidir que vida, em que quantidade e em que condições, merece ser vivida. Sinto-me um juiz insuficiente. Outros são mais sábios do que eu. Sentem-se tão certos em sua ciência como estariam em um "budismo qualquer". Louvo-lhes sabedoria ou ligeireza. Mas é outra a minha natureza.

Quando digo que a minha restrição principal nem é a religiosa, não estou, de modo algum deslegitimando aqueles que protestam e se organizam em nome da sua religião. Salvo engano — e até que não prospere, sei lá, um modelo chinês no Brasil, que tem uma igreja única: o partido —, tais manifestações fazem parte da vivência democrática. E são legitimas.

Quando se debateu a legalização das pesquisas com células-tronco embrionárias, assistimos a um formidável show de intolerância. Dos católicos, que se manifestaram contra? Não! Daqueles que acusavam a ilegitimidade dos protestos católicos, acusados de maximizar a decisão, vendo nela a ante-sala da legalização do aborto. O então relator da questão, ministro Ayres Britto, escreveu com todas as letras: “A vida humana é revestida do atributo da personalidade civil, é um fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral". E isso contou com a aprovação da maioria do tribunal. Ora, não há aí qualquer ambigüidade, há? O que ainda não foi expulso do útero, segundo o texto, vida humana não é. Não posso assegurar que se vá fazer com isso o horror, mas há aí uma janela inequívoca para ele.

A tendência é que o STF se comporte, nesse caso, como se comportou no das células-tronco. Marco Aurélio de Mello, Celso de Mello e Ayres Britto certamente se posicionarão a favor do aborto em caso de anencefalia. É o que se pode deduzir lendo entrevistas que concederam sobre assuntos correlatos. Joaquim Barbosa, consta, também. Tendem a se opor Carlos Alberto Direito, Cezar Peluso, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. O desempate ficaria para duas ministras, Ellen Gracie e Carmen Lúcia, e, eventualmente, para o presidente da Casa, Gilmar Mendes.

Posso ser pessimista — e, no geral, acho uma atitude intelectualmente prudente, embora não moralmente superior ao otimismo —, mas não sou apocalíptico. Os petralhas já começaram a gritar: “Vai perder, vai perder de novo...”, como se fosse um campeonato. Huuummm, não perco nada pessoalmente. Se o argumento principal que defende o aborto dos chamados fetos anencéfalos buscasse realmente preservar a mãe — ou, mais amplamente, a família — de um roteiro de sofrimento certo, eu poderia até apontar um erro de princípio, mas compreenderia a questão no âmbito de nossas (as humanas) inevitáveis fraquezas.

Na forma como está posto o debate — mais uma vez, vai-se definir o que é “a” vida —, em vez da fraqueza que humaniza, a arrogância que constrange. Mas não é o apocalipse. O humanismo prosperou em meio a adversidades. O cristianismo também. São batalhas de fôlego longo.

Para arrematar
Observo, finalmente, que, mais uma vez, os católicos são acusados — e logo alguém evocará o papa em tom panfletário — de obscurantistas e autoritários porque, dizem, pretenderiam impor a sua religião a um estado leigo etc, etc, etc. Não pretendem nada! Eles apenas dizem o que pensam e expressam um ponto de vista, direito que assiste até mesmo a Federação Nacional dos Fabricantes de Polainas — ou será que aqueles deveriam ter menos prerrogativas do que estes?

E noto ainda: não entendo por que a, vá lá, “nossa” aprovação, em questões como essas, é tão importante. Querem distribuir camisinhas nas escolas. E distribuem. Lamentam que os católicos sejam contra, uma gente que vive mesmo na Idade Média... Querem distribuir pílulas do dia seguinte a meninas, mesmo sem o conhecimento dos pais. E distribuem. E dizem: “Esses católicos são realmente do arco-da-velha” (de fato, do Arco da Velha Lei, ou da Lei da Velha Arca). Querem, e o movimento é este, legalizar o aborto, mas, antes, exigem que os católicos entendam que etc, etc, etc. Oram, façam suas políticas — para tanto, são livres de peias, num estado laico —, e deixem que os católicos se manifestem. Por que é preciso ter a sua anuência?

Às vezes, parece que os próprios defensores de tais práticas só se sentiriam de fato convencidos se, antes, convencessem “os católicos”, por quem nutrem, não obstante, indisfarçável desprezo. Não podendo fazê-lo, então optam por outra forma sutil de censura: tentar ridicularizá-los como seres que rejeitam o aporte da ciência e que advogam um mundo de trevas.

Assim é se lhes parece. E, no entanto, não é.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Andrew Mwenda: Uma nova visão sobre a África

via Ordem Livre



Nesta palestra provocativa, Mwenda pede que a mídia internacional pare de focar nos problemas do continente africano e passe a enxergar as soluções e oportunidades para maior riqueza e liberdade.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

U.S. Funding of Olympic Athletes a Private and Community Affair

Individual citizens and corporations enable America’s Olympic effort

By Michael Jay Friedman
Staff Writer

Washington – Creative financing secured from a variety of individual, corporate and community sources underpins the U.S. Olympic effort, a feature that sets American amateur sports apart from amateur athletic programs in much of the world.

In Sioux City, Iowa, fourth- and fifth-graders sold baked goods and collected the deposits on recyclable bottles and cans. Georgia second-graders collected nearly $400 in pennies. The U.S. Ski and Snowboard Team held a series of formal balls, inviting their fans to dance, and obtain autographs, at such posh locations as New York City’s Hammerstein Ballroom. The snowboarders raised more than $1 million.

These are only a few examples of how Americans raise funds for the training, preparation and care of their Olympic athletes, including those who competed in Torino, Italy, in the 2006 Winter Games.

As with the arts, the funding of the U.S. Olympic effort is highly decentralized and largely shared by private businesses and millions of individual Americans. This system has proven popular; a 2004 Harris Poll revealed that three in four Americans prefer that Olympic training be paid for exclusively or predominantly through private funding. One possible benefit is that everyone — down to penny-collecting 8-year-olds — can point with pride to their contribution to what is truly “their” Olympic team.

NO CLAIM ON PUBLIC FUNDS

America’s Olympic effort is coordinated by the United States Olympic Committee (USOC), headquartered in Colorado Springs, Colorado. Unlike most national Olympic committees, USOC receives no continuous federal government subsidy, relying instead on corporate and individual contributions and on the proceeds of its direct marketing program.

Another key source of financial support is the U.S. Olympic Foundation. Originally funded with surplus funds from the 1984 Los Angeles Summer Games, the foundation distributes half its assets to USOC member organizations while investing the rest to ensure its ability to assist future athletes.

The USOC provides funds to these member organizations, known as national governing bodies (NGBs), to support various training and athlete development programs. Each NGB governs a specific sport. Most of these NGBs also raise funds to train athletes, educate coaches, enhance training facilities, cover travel expenses and defray their own operating costs.

In the United States, where many athletes begin training at an early age, training costs for athletes under 18 generally are paid by athletes’ parents. Those expenses can run into tens of thousands annually for the most talented youngsters. When an athlete is selected to a national team, some funding usually becomes available from the USOC and the NGB. In addition, many NGBs sponsor short training camps for especially talented young athletes.

For many athletes whose peak performance years fall in their late teens or 20s, the United States’ colleges and universities become their primary source of training. Often competing on scholarship, these athletes’ efforts are rewarded not only with top-notch coaching but with financial aid to complete their education. The coaches and facilities available at U.S. universities draw athletes from all over world who are looking to perfect their skills and then compete for their home countries in international competition.

CORPORATE SUPPORT

Many U.S. corporations financially support U.S. Olympic athletes, receiving in return favorable publicity, the right to use Olympic symbols in their advertising and public good will. Among the current corporate partners to the U.S. Olympic movement are Anheuser-Busch Inc., AT&T, Bank of America, General Motors, The Home Depot and Johnson & Johnson.

While support often takes the form of cash or other contributions to the USOC, some businesses find ways to assist individual athletes. Retailer The Home Depot, for instance, has assisted individually hundreds of athletes by offering them jobs where they work 20-hour weeks for a 40-hour salary, with flexible schedules that afford time off for training and competitions. Thirty-three of the 2006 U.S. team’s 211 members are Home Depot employees.

With so many Americans eager to show their support, direct marketing has emerged as a significant source of USOC revenue. Clothing featuring Olympic-related logos is especially popular, with such items as jackets, T-shirts and track pants available alongside such collectibles as portfolios and desk sets bearing the symbols of the United States Olympic Team.

But it is the many individual efforts that symbolize the close ties between the athletes and their fans. When the U.S. water polo team wanted to hire a world-class coach, the team raised half his salary from private sources while USOC provided the rest.

The state of Michigan sells special automobile license plates, with proceeds funding an Olympic training center at Northern Michigan University.

Local communities long have come through for their hometown heroes. When a Champaign, Illinois, speed skater needed to train in Europe to have a chance at making the U.S. team, the Champaign Policeman’s Benevolent Association raised the money she needed. That skater, Bonnie Blair, would compete for the United States in four Olympics, winning five gold medals.

Stories like Blair’s underscore the close ties between American Olympians and their supporters at home.

A concepção russa de dominação da Europa

por Jeffrey Nyquist
© 2008 MidiaSemMascara.org

A Blitzkrieg russa na Geórgia é mais do que uma campanha militar. Ela tem o objetivo de fortalecer a estratégia diplomática russa, que busca fazer da União Européia (UE) a principal representante do Ocidente em futuras negociações com a Rússia. Muito naturalmente, o Kremlin deseja escapar da lógica da política norte-americana e da OTAN, a qual é a de conter a Rússia dentro dos limites de suas fronteiras nacionais. Enquanto isso, a União Européia é um animal inteiramente diferente: sem dentes, utópico e pronto a agradar.

Os estrategistas do Kremlin acreditam que os Estados Unidos estão à beira de uma desarticulação incapacitante. De acordo com um artigo publicado em 29 de julho no Pravda, um diplomata russo não identificado revelou que “[A] administração russa acredita que os Estados Unidos poderão em breve sofrer uma séria crise política”. A seqüência começaria com um grave abalo financeiro, seguido de agitação política e, finalmente, a dissolução do poderio militar americano. Conforme alertou o diplomata russo, “Os Estados Unidos estão postados próximos ao limite de uma crise de larga escala quanto a sua própria existência”.

No mês passado, os embaixadores russos foram chamados de volta a Moscou. Em 15 de julho, o presidente Dmitry Medvedev falou a eles no Ministério do Exterior. “Eu gostaria de usar esta oportunidade para uma conversa franca e pragmática”, explicou Medvedev aos diplomatas reunidos. “A Rússia está de fato mais forte e capaz de assumir maiores responsabilidades na solução de problemas em escala regional e global”. Você sabe: a Guerra Fria não foi uma vitória americana. Medvedev fez lembrar a seus ouvintes que os russos tinham “sobrevivido à Guerra Fria”. E que agora, a Rússia está preparada para estabelecer “um novo equilíbrio”.

A fala de Medvedev foi presciente: “[O] hábito de recorrer à força está crescendo. Em tais circunstâncias, é importante manter reserva e avaliar as situações cuidadosamente”. Quando irrompem as guerras, é melhor saber pelo quê você está lutando; deste modo, Medvedev queria que seus embaixadores se familiarizassem com a linha do partido antes de voltar para as suas embaixadas. Em sua preleção, Medvedev disse que eles não deveriam se preocupar com confrontações ao estilo da Guerra Fria. “Eu estou convencido de que com o fim da Guerra Fria, as razões subjacentes para a maioria das políticas e da disciplina do bloco simplesmente desapareceram”. Em outras palavras, a OTAN está dividida. E a violação da soberania iugoslava pela OTAN em 1999 agora possibilitava uma devastadora resposta russa.

A história deveria ser lembrada, disse Medvedev. “Nós simplesmente não podemos aceitar as tentativas que têm tido lugar em determinados países para destacar a ‘missão civilizadora e libertadora’ dos fascistas e de seus cúmplices”. De forma oblíqua, ele estava se referindo aos patriotas anticomunistas na Geórgia, Ucrânia, Letônia, Estônia e Lituânia e ao modo como deram as boas vindas aos alemães em 1941.[*] E ele continuou: “Caracteristicamente, são aqueles estados que têm uma paixão por reescrever a história e as políticas interna e externa, os que, ao mesmo tempo, são os mais fanáticos defensores de atos ilegais, tal como o precedente do Kosovo... E esses mesmos estados são aqueles que se tornaram ultranacionalistas em suas políticas, acossando as minorias nacionais e negando direitos aos chamados ‘sem-estado’ em seus países”.

Aqui temos uma óbvia referência à Geórgia, que estava prestes a ser invadida pelas divisões motorizadas e aerotransportadas russas. “Para nós, esta tarefa é particularmente importante, uma vez que em muitos casos estamos falando de abusos contra russos e populações de língua russa. E proteger e defender esses direitos é, obviamente, uma de nossas responsabilidades”. E então, Medvedev explicou a estratégia diplomática global russa: “Eu enfoquei esses aspectos porque hoje a Europa precisa de uma agenda positiva em vez de uma negativa”. Em outras palavras, a invasão da Geórgia não é um fim em si mesmo. O propósito real desta operação, conforme deu a entender o presidente russo, foi o de ressaltar a perigosa obsolescência da OTAN e as irrealistas expectativas da Europa com respeito à Rússia. Medvedev disse que os antigos tratados não manterão a paz, porque são injustos. A Rússia é uma grande potência e merece exercer influência maior. “Eu estou absolutamente convencido que isto requer uma nova abordagem”, explicou. “É por essa razão que propusemos concluir um novo tratado sobre segurança européia e começar este processo numa cúpula de âmbito europeu [ênfase da editoria]”.

A invasão da Geórgia está agora no centro das atenções. Tal como ressaltou Medvedev, “[H]á falhas na arquitetura da segurança européia...”. O acordo sobre Armas Convencionais na Europa (CFE) [que Putin rompeu em 2007] é injusto porque proíbe a Rússia de posicionar grandes concentrações de tanques na Europa. Esse tipo de coisa não dará certo, disse Medvedev. O que precisamos é de “um sistema de segurança verdadeiramente aberto e coletivo” (sic). De acordo com Medvedev, “Uma parceria estratégica entre a Rússia e a União Européia poderia atuar como a pedra angular de uma Grande Europa, sem linhas divisórias...

A fórmula é simples: evidenciar as fraquezas da OTAN, saudar a União Européia como mediadora e deplorar a tagarelice sem sentido de um impotente presidente americano. O Ocidente está fraco e chegou a hora de preparar a grande colheita. Os anos 1940 estão distantes, Tbilisi não é Berlim e George Bush não é Harry Truman. Uma nova era alvoreceu, na qual os americanos estão à margem. “Os Estados Unidos apóiam firmemente os esforços da França, atualmente na presidência rotativa da UE, no sentido de intermediar um acordo que dará um fim a este conflito”, disse o Presidente Bush.

Que declaração mais boba e estúpida. Quanta divisão a UE tem?

Hoje a UE confronta a Rússia do mesmo modo que Neville Chamberlain confrontou Hitler em 1938; tendo sido lograda e trapaceada nas negociações de um cessar-fogo, não há outro resultado possível que não o da política de apaziguamento [i.e., concessões]. Os russos insistem que suas tropas sejam aceitas como forças de paz na Geórgia. Os mediadores franceses concedem isso. E, portanto, a estipulada retirada das tropas combatentes é medida que não se aplica às tropas russas. Sob esse acordo de cessar-fogo, Moscou pode reivindicar – em sentido estritamente legal – que as tropas Russas possam permanecer na Geórgia indefinidamente. O Presidente Medvedev e o Primeiro Ministro Putin estão rindo dos franceses enquanto cumprem a lei internacional. Enquanto isso, a Geórgia ocupada está sendo saqueada e incendiada; navios georgianos estão sendo afundados e a capital, Tbilisi, estrangulada.

A OTAN nada fez, ainda que tenha prometido fazer da Geórgia um membro da aliança. A OTAN submete-se à União Européia. Bush também se submete e envia sua Secretária de Estado a Paris em vez de a Moscou. Enquanto quase toda a Europa exigia uma solução negociada, apenas a Polônia e os Países Bálticos (junto com a Suécia e a Dinamarca) condenavam em uníssono a agressão militar russa. Toda a Europa deveria ter condenado a Rússia com uma só voz. Toda a Europa deveria ter evitado “negociações”. Toda a Europa deveria ter exigido a imediata retirada das forças russas da Geórgia. Toda a Europa deveria ter iniciado a mobilização de tropas e aeronaves de combate para a defesa da Geórgia. Diante de uma mobilização européia, a Rússia teria recuado.

Mas o Kremlin sabia, de antemão, que isso não iria acontecer. Não há nenhuma “confrontação militar” na Geórgia. Tal como disse o Presidente Medvedev, “Eu estou convencido de que com o fim da Guerra Fria... a disciplina do bloco simplesmente desapareceu”.

O presidente russo está certo.

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Nota da Editoria MSM: Jeffrey Nyquist, autor deste artigo, publicado originalmente no dia 15/08, vem há anos alertando a respeito da estratégia russa, coordenada pelo Kremlin e sua figura de proa, Vladimir Putin. Para ele, não há surpresa alguma nas recentes ações russas e na inação européia ou na vacilação americana. No sábado, dia 16/08, o Wall Street Journal publicou um duro editorial intitulado “Fazendo Putin Pagar”. Todavia, o texto do editorial ainda aposta num endurecimento do discurso de Bush, em sanções econômicas [ver A Rússia invade a Geórgia] contra a Rússia, e numa reação ocidental iniciada nas últimas 48 horas. Mas o jornal coloca essa reação no condicional: “Se os líderes [ocidentais] mantiverem o curso, ainda podem transformar os parcos sucessos militares russos numa significativa derrota política”. É um “se” enorme; talvez grande demais.´

[*] NT: Em primeiro lugar, o cinismo da declaração de Medvedev é típico da propaganda da era soviética, pois de 1939 a 1941 havia o pacto de não-agressão Ribbentrop-Molotov, por meio do qual alemães e russos colaboraram intensamente, especialmente na destruição da Polônia. Em segundo lugar, todos aqueles ucranianos, bielo-russos, etc., que receberam os alemães como libertadores, sofreram triplamente: 1. Antes da guerra, sob a tirania de Stalin (é bom lembrar os expurgos, fuzilamentos em massa e da Grande Fome da Ucrânia nos anos 1930); 2. Com a reação insana dos invasores alemães, que fuzilaram dezenas de milhares daqueles que os recebiam como libertadores; 3. Com a terrivelmente selvagem vingança soviética, que resultou em mais centenas de milhares de mortos. Portanto, é absolutamente ridículo e atroz propugnar a idéia de que povos vivendo sob a vigilância constante de uma ditadura feroz, isolados do mundo, tenham podido imaginar que os alemães eram impulsionados por uma ideologia assassina quando eles mesmos já viviam sob outra ideologia cruel e igualmente assassina. O nazismo foi nefando, execrável, abominável, mas o comunismo o superou em muito em matéria de longevidade e crueldade planejada. Não obstante o fato de que não há qualquer justificativa ou desculpa concebível para os crimes nazistas, é forçoso ressaltar que para os comunistas sempre foi e ainda é muito conveniente deixar que as luzes e atenções focalizem apenas o nacional-socialismo, seu primo irmão, deixando de lado ou ocultando a longa e hedionda história dos crimes dos próprios comunistas em todo o mundo.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

A liberdade como forma de viver

por Kenneth Minogue



Enquanto slogan político, a liberdade é um ideal, um objetivo a ser conquistado. Porém, um ideal só pode ser construído a partir de algo que já experimentamos. Ao estudar a liberdade, podemos, por um lado, considerá-la simplesmente um conjunto de fatos sobre a vida social e política; ou, se nossa investigação é ideológica, poderemos buscar aquelas características que sejam adequadas para a construção de um padrão. O que torna a liberdade difícil de ser estudada é que a maioria das investigações sucumbe, em algum momento, ao que lhe é conveniente; e um interesse acerca do que a liberdade realmente é dá lugar a uma preocupação sobre como ela pode ser promovida.

Entre os grupos notadamente livres de que temos conhecimento estão os cidadãos de Atenas, além dos cidadãos detentores de direitos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Em cada caso, esses povos, encontrando-se em conflito e conseqüentemente buscando definir quem eram e o que suas lutas deveriam defender, descobriram-se povos livres. Essa descoberta se deu na presença de uma quantidade considerável de retórica; e tudo isso estava sujeito às falácias inevitáveis, de quando uma característica moral como a liberdade é confundida com uma situação histórica concreta. Porém, banhada em retórica, e suscetível à extração por meio de uma investigação, estava a teoria, não de como a liberdade pode ser conquistada, mas de como ela existira. Vamos refletir sobre algumas características de uma sociedade livre, tendo como nosso modelo uma de suas primeiras formulações, a “Oração funeral” de Péricles.

Péricles não estava preocupado com a afirmação de um ideal, mas com aquelas características de Atenas que considerava que faziam dela uma cidade grandiosa e singular. Essas características não são tanto características políticas, mas características morais. Além disso, todas as características se entrelaçam umas nas outras; dessa forma, a presença de uma leva ao desenvolvimento das outras.

Péricles identificou a coragem, em parte por razões tópicas, como a primeira qualidade de Atenas. Mas era uma coragem de tipo bem complexo. Para Aristóteles, a coragem era um meio termo entre a precipitação e a covardia; para Platão, era o conhecimento do que não deveria ser temido. A coragem que estamos tentando identificar seria, assim, não do tipo que é freqüentemente invocada na presença de um inimigo; ela não contém nenhum elemento de histeria. Ela nos leva a um tipo especial de reação às crises. Em uma emergência nacional podem ocorrer duas reações extremas. Por um lado, a população pode se unir de tal forma que passaria a parecer um único organismo. Eles pensam e sentem da mesma maneira e sua fusão social é, geralmente, simplificada na adoração de um líder. O comportamento tribal é predominantemente desse tipo, como também foi a coesão totalitária da Alemanha e do Japão na Segunda Guerra Mundial. Ela tem a vantagem de simplificar as questões; assim, todos os problemas parecem problemas técnicos em relação a um objetivo prioritário. Por outro lado, nós podemos descobrir que uma emergência nacional pode provocar também a dissolução social; o Estado se parte em suas instituições, famílias e indivíduos, cujas preocupações principais serão minimizar suas perdas e sobreviver. As pessoas desconfiam umas das outras e poucas estão preparadas para assumir os riscos da organização política por medo de serem traídas por outras. Situação parecida com a ocorrida no colapso francês de 1940.

Essas reações sociais são completamente distintas e nós somos levados a vê-las como polaridades porque, na maior parte das vezes, ambas as reações têm grandes chances de ocorrer; algumas pessoas arriscarão tudo em favor de um esforço nacional, enquanto outras tentarão lucrar a partir dessa situação. Os políticos possuem uma compreensível preferência pelo primeiro tipo de comportamento, que descrevem como altruístae heróico.

Uma reação livre a uma emergência nacional é difícil de ser descrita, mas é claramente identificável. Ela consiste em um tipo de coesão social que combina a cooperação com a manutenção total da individualidade. Não há nenhuma devoção cega a uma causa nacional, nem um ceticismo absoluto em relação a ela. Tudo que acontece em resultado de uma emergência é um consenso incomum de opiniões sobre as prioridades, mas não há capitulação complexa a um objetivo prioritário. Em decorrência disso, as sociedades livres não alteram drasticamente as suas estruturas e seus costumes em razão de uma emergência, talvez porque sejam, em qualquer situação, altamente flexíveis. Um festejado exemplo disso seria a manutenção das liberdades civis na Grã-Bretanha de 1939-1945. Mas esse exemplo dependeu totalmente do fato de que a unidade já existia; caso houvesse divisões profundas, o governo britânico teria, como qualquer outro governo, utilizado a repressão para lidar com elas. Porém, mais uma vez, o comportamento e as políticas do governo foram uma causa importante para a existência ou não dessas divisões profundas.

Se aceitarmos que a cooperação livre é um relacionamento social especial e identificável, o nosso problema será descobrir porque ela ocorre. Péricles, como vimos, atribuiu-a à coragem; porém, para Platão, ela era uma forma de conhecimento. Algumas vezes, ela foi chamada de racionalidade, por sua recusa a sucumbir às paixões como o medo ou o desejo de segurança; porém, a distinção entre razão e paixão é moralista e limitada. Seguramente, uma cooperação completa depende de a população estar acostumada com o enfrentamento de novos problemas e confiante de que pode ser bem sucedida ao lidar com eles. Outra forma de descrever isso seria em termos de equilíbrio; questões políticas são amplamente discutidas e isso só pode acontecer se alguns indivíduos resistirem aos fortes impulsos de pânico que muitas vezes levam as pessoas a aceitarem qualquer solução que tenha o apoio da maioria. Pequenos grupos com políticas impopulares precisam de bastante coragem para continuar a defendê-las em circunstâncias nas quais seus adversários têm a possibilidade de imputar acusações como traição e deslealdade. Em termos morais, nós descobrimos a coragem de um lado e um tipo de tolerância do outro, e a imagem realseria a de uma comunidade envolvida em um conflito, mas debatendo e ainda capaz de chegar a uma decisão. Se pudermos explicar os elementos dessa situação, então nós teremos descoberto muitas coisas sobre a liberdade.

Um elemento crucial da livre cooperação é o respeito pela verdade. Sob essas circunstâncias, a pressão da conveniência causa distorções consideráveis do fato. Em uma crise, essa pressão aumenta. Além disso, se o objetivo nacional é aceito como um critério prioritário de ação, então, a verdade, como qualquer outra coisa, passa a ter uma posição de subordinação a esse objetivo; sempre em algum nível essencial ao sucesso de qualquer operação, porém, distorcida, por conveniência, em vários pontos. Esse fato é visto mais claramente no caso de sociedades totalitárias que subsistem de crises e dependem de um conjunto de crenças dogmáticas, que caso questionadas, indicariam uma ameaça a todo o sistema.

Agora, o respeito pela verdade nunca é resultado simplesmente de um ato de vontade. Ele pode existir apenas como parte de uma tradição que persistiu por um tempo considerável. Em particular, ele deve ganhar apoio de instituições independentes na sociedade, para as quais a verdade é uma preocupação que ultrapassa qualquer outra, principalmentedas universidades. Em todos os nossos exemplos, uma tradição de investigação era suficientemente poderosa para impor seus padrões a outras áreas da vida do Estado: uma integridade respeitadora da verdade era parte da concepção de honra que prevalecia naqueles Estados. Além disso, esse tipo de honra é irracional e imprudente, já que existem várias ocasiões, tanto na vida pessoal quanto na vida política, em que vantagens podem ser obtidas a partir da supressão da verdade. A tentação de iludir se torna mais forte em tempos de crise e cada lado tenta ganhar aliados através da distorção dos fins de suas políticas e evitando alguns pontos desagradáveis de suas idéias. O desejo exagerado de se persuadir os outros é fatal para a verdade; ele leva rapidamente ao estridente mundo da propaganda. Então, em Estados livres, sempre existem pessoas que estão ligados irracionalmente à verdade, à maneira de Sócrates e Zola, e que não desviarão de suas posições em razão de apelos ao interesse nacional ou por slogans como “sobrevivência nacional.”

Mas esse fato nos diz ainda mais sobre o caráter de uma sociedade livre,já que universidades que nutramuma tradição da livre investigação não podem existir isoladas como as únicas instituições independentes das comunidades. Deverá existir uma ampla variedade de instituições independentes do governo e capazes de cultivar seus próprios interesses dentro de um sistema político. A liberdade tem sido freqüentemente associada com a diversidade, e mesmo com a excentricidade; ela é, certamente, hostil à noção de uma verdade única e mantida por dogmas. A existência de tal variedade de instituições independentes é politicamente e intelectualmente necessária para uma tradição da verdade. Politicamente, as universidades não podem permanecer livres enquanto outras instituições são cuidadosamente reguladas pelo governo, já que sua independência minaria a dependência das outras. Intelectualmente, porque o choque de ideologias que ocorre entre instituições – igrejas ou os vários interesses organizados da economia – gera várias teorias com as quais a investigação trabalha. Já que sempre existem algumas áreas da vida que são de forma mais completa cultivadas por uma instituição em particular, e ela irá, segundo seus próprios objetivos, descobrir problemas e soluções que para os cientistas, filósofos e historiadores possuem outros significados.

Esses arranjos institucionais estão ligados a um comportamento tolerante, outra característica moral que aumenta e diminui nas pessoas. “Nós somos livres e tolerantes em nossas vidas privadas; porém, nas questões públicas, mantemos a lei”, como disse Péricles. Agora, essa condição surge apenas como um costume social; ela é um estilo de vida ao invés de ser produto de um desejo. Ela permanece longe do controle dos indivíduos; os governos devem encorajar ou desencorajar o fanatismo, mas eles não podem criar os fanatismos que desejam, nem destruir o fanatismo indesejável. Em um Estado que seja dividido por opiniões defendidas com fanatismo, um governo não tem opção, a não ser oprimir a população ou ser derrubado. Porém, embora o fanatismo não possa ter seu crescimento calculado, algumas formas de organização política levam a ele com mais facilidade do que outras; aquelas que valorizam mais a distinção entre a esfera “pública” e “privada” têm menos chances de sofrer com o fanatismo do que aquelas nas quais a regulação governamental sobre todas as coisas é comumente aceita. É difícil definirmos a esfera privada em termos de direitos naturais ou de ações auto-apreço; porém, se a privacidade é totalmente respeitada pelo Estado, então os governos não podem invadi-la com facilidade.

Essas condições são parte das vidas dos indivíduos. Elas descrevem a forma pela qual as pessoas pensam e sentem. Ao desenvolver a nossa explicação da liberdade, podemos empregar uma distinção comumente feita entre o pensamento técnico e o pensamento deliberativo.

O pensamento técnico é a solução de problemas dentro de limites fixos, como na descoberta de meios para certos fins.

O pensamento deliberativo, por outro lado, é a reação a uma circunstância feita por algum que é em si capaz de mudanças. Eu me refiro aqui ao que é geralmente chamado de “livre escolha” ou “a liberdade humana de escolher.” A objeção posta a esses termos é de que são individualistas, supondo uma identidade humana fixa (porém misteriosa) que opta por um tipo de princípio ou atos, em detrimento de outros. Na deliberação, entretanto, o fato crucial que determina o resultado é o caráter daquele que escolhe e que não é conhecido até que a escolha é feita; já que a escolha é uma determinação de caráter, algo que acontece quando nós estamos nos convencendo a expressarmos a nossa opinião sobre alguma questão. Mas isso também pode acontecer inconscientemente, o que sugere que o termo “pensamento” deve ser evitado. Nós podemos identificar três possibilidades na deliberação. Em uma, o tipo que normalmente atraia atenção dos filósofos morais, um problema moral é apresentado e solucionado por meio de um esforço intelectual cujo curso (em termos de princípios levados em conta ou fins considerados ou rejeitados) pode ser delineado em cada estágio. Entretanto, com mais freqüência, a vida oferece aos indivíduos um problema moral que parece ser solucionado por instinto. Sem pensar conscientemente sobre isso, eles chegam a uma decisão, acreditando que as questões se clarificaram de uma maneira análoga à solução de problemas intelectuais durante o sono. Finalmente, existem ocasiões nas quais os problemas são apresentados e solucionados antes de o indivíduo ter consciência deles – geralmente, em razão de uma forte resistência ao problema.

Esse último fato sobre a deliberação é significativo; ele indica que os problemas deliberativos são geralmente dolorosos e são, por isso, evitados. Na verdade, evitar esses problemas pode se tornar a solução. Esses problemas podem produzir ansiedade e uma solução política ao problema posto pela ansiedade é a coesão social tribal mencionada anteriormente. O efeito de um desenvolvimento político como esse é converter problemas deliberativos em problemas técnicos: ou, pelo menos, é o que parece para os membros da tribo.

Agora, em um Estado livre, caracterizado, como já vimos, por uma ampla variedade de instituições independentes, os indivíduos devem freqüentemente enfrentar problemas deliberativos sobre o que devem fazer. Eles se tornam altamente qualificados, seja na solução de problemas ou na recusa de encontrá-los (o que também é uma opção). As crianças aprendem a se comportar dessa forma, em parte porque são ensinadas a ser assim, e em parte porque elas devem agir dessa forma. Elas são sujeitas a um bombardeio considerável de propaganda e há pouca coisa impedindo uma ortodoxia intelectual já estabelecida sobre questões políticas e religiosas que sirva como proteção. Dada uma educação desse tipo, as pessoas são com menos freqüência tentadas a sucumbirem à histeria da indecisão, que geralmente leva ao desejo de submissão a uma ortodoxia radical e extraordinária.

Em circunstâncias sociais tão variadas como essas, as pessoas não podem, em geral, ser julgadas em relação a seu status ou função, já que existirão várias fontes de status – riqueza, nascimento, local de educação, destaque intelectual, fama, popularidade etc. Esse fato, também, é uma fonte de confusão para as pessoas que não estão acostumadas à deliberação, e elas podem, assim, preferir um sistema único no qual todos possam ser avaliados de acordo com os costumes do momento. Essa aversão às fontes diversas de status geralmente dá início a uma aversão virulenta à arrogância, nos levando a um critério único de “valor real” que clarearia nossos julgamentos em relação às pessoas.

Um Estado livre é aquele no qual existe uma forte resistência à profissionalização; ele é marcado por essa “versatilidade” que Péricles clamava para Atenas. O tipo de comportamento pessoal indicado pela versatilidade é aquele no qual as pessoas estão prontas para tentar fazer qualquer coisa que tiverem que fazer. É por essa razão que comunidades pioneiras possuem várias características de um Estado livre; uma questão mais difícil é como a liberdade existe em Estados com uma estrutura social estável. As situações que mais contrastam com esse tipo de versatilidade são um sistema de castas, uma forma rígida de sistema feudal, e a burocracia, já que aqui cada pessoa possui um status fixo que determina o tipo de trabalho que ela faz e, geralmente, o único tipo de trabalho que fará.

Os indivíduos em uma sociedade livre podem ser descritos como independentes. Isso significa, por um lado, que eles se auto-organizam e resistem às tentativas de dominação perpetradas por terceiros. Porém, isso só é possível se essas pessoas tiverem aversão não apenas à dominação por terceiros, mas também à submissão a eles. Indivíduos independentes não têm desejo algum de destruírem a independência dos outros, já que a independência não é apenas uma relação social, mas uma característica que existe apenas através da rejeição da dominação e da submissão – uma idéia que Platão defendeu ao argumentar que o próprio déspota era um escravo.

É marca dos sinais interligados de um Estado livre que isso nos leve imediatamente de volta à verdade. Afinal, ao considerarmos as circunstâncias nas quais a independência livre é possível, devemos observar que ela depende, em grande parte, do interesse intelectual em como as coisas estão, em contraste com o desejo de fazer as coisas se conformarem em um plano pré-estabelecido. Uma paixão pelo controle é a tentativa de se criar a dependência a partir de uma opinião estabelecida, como um pai pode tentar controlar o desenvolvimento de seus filhos, não apenas insistindo em padrões de comportamento estabelecidos, mas destruindo quaisquer sinais de independência ou desvio. A verdade, freqüentemente, é um desvio de nossas categorias explicativas e de nossas idéias de como o mundo deveria ser e, assim, a filosofia e a ciência estão marcadas por um respeito pela independência dos fatos, uma característica que tem grandes chances de ser transportada para outros tipos de atividade social.

Indivíduos livres conseguem se modificar de uma maneira tradicional em face da possibilidade da quebra da ordem. Eles não são “escravos das paixões.” Em questões sociais, os homens que têm medo, abandonarão a sua liberdade por um protetor. Os homens que são atiçados pela cobiça abandonarão suas liberdades em favor de governantes que os deixem livres para adquirir riquezas. Os homens dominados pelo jogo ou pelas drogas não serão capazes de enxergar com clareza suficiente as ameaças às suas liberdades. Além disso, os homens determinados, famintos por fama e ambições de poder, deixarão logo de respeitar a liberdade dos outros ¹. As generalizações históricas desse tipo indicam a conexão que os idealistas sempre viram entre a virtude e a liberdade, embora seja difícil a elucidação dessa questão.

Outro fato sobre as sociedades livres deve ser notado: elas logo mostrarão um nível considerável de criatividade institucional. Uma conseqüência da liberdade, e uma marca de sua existência, é a proliferação das instituições e associações criadas por grupos de pessoas, geralmente ad hoc, mas também, às vezes, por fins permanentes. Estados onde isso acontece mostrarão o que de Tocqueville ² observou em Estados Anglo-Saxões – uma paixão pelas questões públicas e uma sede de direitos. O trabalho de criação e manutenção de instituições públicas é algo que deve ser aprendido; não se pode simplesmente convencer alguém a fazê-lo, e então seguir adiante. Muitas armadilhas ficam de emboscada – da vaidade à discórdia, à possibilidade de que a instituição possa não compreender a sua importância social e entrar em um conflito violento com as autoridades; além disso, em uma sociedade despótica, é bem provável que os governos suporão que todas as iniciativas da parte dos cidadãos tenham um caráter subversivo, ou passará a tê-lo logo. Dessa forma, afirmamos as condições políticas e sociais sob as quais os cidadãos podem se associar espontaneamente é marcarmos, mais uma vez, as várias marcas de liberdade que já descrevemos.

Essa explicação da liberdade tenta preparar os materiais a partir dos quais uma explicação da liberdade possa ser construída. Inevitavelmente, ela levanta um grande número de questões, algumas das quais podem ser resumidamente consideradas aqui. Em particular, ela requer que façamos uma distinção entre a liberdade como um atributo moral e uma sociedade livre. A liberdade é algo espontâneo e imprevisível nas questões humanas e tem grandes chances de ser encontrada em qualquer lugar. Uma sociedade livre, por outro lado, é uma sociedade na qual as instituições se desenvolveram e que se adéquam de forma peculiar à conservação de uma tradição de comportamento livre. Nós encontraremos em uma sociedade livre, bem como em qualquer outra, todos aqueles tipos de comportamento contrários à liberdade. Qualquer sociedade histórica será uma mistura de tipos de comportamento, um local de batalhas morais. É apenas em circunstancias de propaganda de guerra que se acredita que os países apóiam abstrações como a liberdade, a democracia, o arianismo ou a nação do proletariado.

É um lugar-comum histórico encontrarmos vários grupos e nações afirmando lutar pela liberdade. E, em vários casos, ao fim da batalha, eles descobrem que apenas substituíram um tipo de opressão por outro. É comum acreditarmos, quando isso acontece, que a revolução foi traída. Mesmo assim, são mais freqüentes os casos que a traição é simplesmente a medida da ilusão de que alguém pode literalmente lutar pela liberdade. Quando os escravos se levantam contra seus mestres, é aquela dominação em particular que objetam e não a dominação em si. Em outras palavras, a revolução sempre é traída não por seus líderes, mas também pelo caráter de seus seguidores. Quando os ingleses lutaram contra os Stuarts, eles não eram escravos, enfim se levantando contra a tirania; eles eram homens já libertos se esforçando para manter aquela liberdade contra o que pensavam ser uma nova ameaça sobre ela. Mais uma vez, quando as colônias americanas se rebelaram contra o governo britânico, eles lutaram não “pela liberdade”, já que eram livres; eles lutaram para estabelecer circunstâncias nas quais seus estilos de vida pudessem crescer livres. O que fez a política dos revolucionários franceses ser tão ambígua a esse respeito foi que as forças da dependência eram tão fortes que quando os homens gritavam Liberté, eles tinham, em muitos casos, apenas uma noção de sonhos sobre o significado daquele termo.

Quando os homens afirmam amar a liberdade, eles podem querer dizer muitas coisas. Em parte, eles admiram a independência da liberdade e a recusa de se obedecer a mestres, não importando com que ordens possam vir ser dadas. Mas, geralmente, querem dizer com liberdade, uma fantasia na qual todas as restrições frustrantes sob as quais eles sofrem são removidas. E eles também se associarão a isso, na maioria dos casos, com um status de alta classe que desejavam à distância. E é a partir desses últimos elementos que uma nova escravidão pode ser construída para eles. A maioria dos movimentos modernos pela liberdade se associa estreitamente com o nacionalismo e, enquanto a liberdade pode ser a bandeira que carregam, será o nacionalismo o provável vencedor no fim das contas.

Já que embora os homens possam amar a liberdade, eles também amam a dependência. Aqueles têm seus primeiros contatos com a responsabilidade individual, provavelmente, temerão seus riscos e fardos. Eles gostam de se refugiar em uma função, desejando ouvir não apenas o que fazer, mas também o que eles são. Apenas diretrizes claras vindas do lado que fora que podem resolver a paralisia de uma personalidade, resultante de conflitos raramente conscientes. Esses conflitos são problemas pessoas que homens não acostumados com a liberdade podem resolver apenas de forma dogmática, pela adesão cega a uma organização, a um papel, a um princípio ou a uma pessoa. A razão porque a liberdade em geral sucumbe ao nacionalismo é que o homem livre é uma abstração; ele não sabe o que ele é ou o que ele pode fazer. Porém, em uma nação, um homem pode encontrar uma identidade e um conjunto de deveres satisfatórios. Se a liberdade pode ser obtida apenas através de uma longa batalha militar, então o que será obtido dificilmente será a liberdade. Guerras reais geralmente geram demandas por lealdade e solidariedade de um tipo dependente; e apesar de que sempre existirão algumas vozes contrárias à desculpa do interesse comum, elas podem não tem muito peso contra uma liderança e a organização estabelecida. A situação moderna clássica desse tipo ocorreu no lado republicano, durante a guerra civil espanhola. Sob essas circunstâncias – nas quais aqueles que afirmam estar lutando pela liberdade são uma aliança instável de grupos, cada qual com uma visão precisa e inflexível sobre as condições futuras – uma condição de liberdade não existe e um Estado livre também não pode ser obtido.

Isso levanta uma questão sobre a qual nós só podemos passar brevemente e que se sabe muito pouco. Quais são as circunstâncias sob as quais a liberdade pode se desenvolver em uma sociedade? Pegando um gancho do estudo de Wittfogel sobre o despotismo oriental ³, devemos observar que as sociedades livres que consideramos foram originadas por uma combinação de circunstâncias feudais e comerciais. Uma situação feudal descentralizada, na qual a honra e o nascimento eram considerações dominantes, foi enfraquecida e forçada a aceitar o crescimento das cidades e da atividade comercial. A liberdade, em cada caso, surgiu a partir de um compromisso de um tipo peculiar entre uma classe feudal estabelecida e uma classe comercial vigorosa. Entretanto, uma vez as características e as instituições estão estabelecidas, elas podem provar serem flexíveis e fortes e podem ser transmitidas às gerações seguintes e extensões coloniais.

Se essa explicação da liberdade é correta, então ela é um ideal apenas por ser amplamente admirada e, como qualquer coisa amplamente admirada, pode guiar os nossos esforços. Mas não há chance de aproximarmos dela sob condições inacessíveis. Já que a liberdade se refere a um conjunto complexo de fatos morais. O que nós podemos querer dizer ao falarmos, por exemplo, “A Grã-Bretanha é um país livre”? Essa afirmação pode apontar a existência de instituições livres na Grã-Bretanha – liberdade de expressão, partidos de oposição, habeas corpus. Essa é a visão liberal da questão, e até aí ela é perfeitamente correta. Mas nós podemos perguntar então: sob quais circunstâncias essas instituições são possíveis? Quando as pessoas se levantam e se libertam de suas correntes? Quando as vítimas se levantam contra seus opressores? Dificilmente, já que esse tipo de insurgência parece apenas produzir um novo conjunto de opressores. Pode ser que as condições que permitem instituições livres estejam além de nosso controle consciente; nós não podemos possuí-las apenas por querê-las. É impossível evitarmos a conclusão de que a afirmação “a Grã-Bretanha é um país livre” se refere não apenas às instituições políticas, mas também a um tipo de comportamento que é suficientemente difundido entre todas as classes da população (mas especialmente as classes políticas) a ponto de permitir a existência e a manutenção das instituições livres.

[1.]É difícil descrever homens livres sem fazê-los parecer paradigmas da virtude. Qualquer dessas virtudes, sem dúvida, fará apenas aparições irregulares nas vidas de determinados homens. Porém, em Estados livres, os homens podem ser virtuosos em suas funções públicas e eles dominam a situação. Onde as coisas não acontecem dessa forma, as instituições políticas livres não sobrevivem por muito tempo.

[2.]Ver as passagens citadas por A. V. Dicey em Law of the Constitution, 9 ed. London, 1945, pp. 184–87.

[3.]Karl Wittfogel, Oriental Despotism, Yale, 1957.


Capítulo traduzido do livro The Liberal Mind.

O socialismo fazendo escola

por Diogo Costa no Ordem Livre

A matéria de capa da revista Veja dessa semana (20/08/2008) confirma algo que os leitores de OrdemLivre.org já devem ter experimentado pessoalmente, mas que surpreende a maioria das famílias brasileiras: nossas escolas estão mais próximas de serem quartéis de doutrinação do que templos de sabedoria.

A pesquisa CNT/Sensus divulgada na revista revela que para os estudantes brasileiros Che Guevara serve de exemplo magistral. Nenhum dos entrevistados o identificou como uma influência negativa. Pelo contrário, o legado do guerrilheiro argentino é visto como positivo por 86% dos estudantes entrevistados. E isso não é um problema de aprendizado. É um problema de ensino. Afinal, 78% dos professores acreditam que “formar cidadãos” deve ser a prioridade das escolas, contra apenas 8% que consideram sua principal missão “ensinar as matérias”. Para a maioria dos professores, o engajamento político é mais importante do que a educação para a compreensão da realidade.

Notem que rejeitar o capitalismo não precisa levar necessariamente à rejeição da educação. Um professor anticapitalista poderia ter respondido que seu objetivo é ensinar as coisas como elas são, desde que ele acredite que as coisas são como Marx, Lukács ou Adorno disseram que elas são. Da mesma forma que um liberal pode dizer que as coisas funcionam de acordo com o que ensinam as obras de Smith, Constant ou Hayek. O problema é que socialistas não se vêem como educadores, mas como agentes de transformação social.

E isso mostra uma diferença crucial entre a sociedade livre e o socialismo. Enquanto experimentos socialistas são legítimos em uma sociedade liberal, é impossível realizar experimentos liberais em uma sociedade socialista. Porque uma sociedade deixa de ser liberal se a lei proíbe a formação de comunidades alternativas, e uma sociedade deixa de ser socialista se a lei permite a prática de atividades econômicas consensuais. Da mesma forma, ativistas em sala de aula (de qualquer estirpe política) precisam contestar a diversidade que um verdadeiro educador valorizaria.

Para um professor que deseja educar, uma pergunta desafiadora vinda de um aluno é algo positivo. Mostra um intelecto curioso, estimulado pela matéria. Para o que quer transformar, as perguntas que fogem de sua ortodoxia devem ser combatidas. São sinais de resistência à transformação. O material de trabalho de um engenheiro social precisa ser passível de moldagem. Se, para um professor honesto, as críticas funcionam como um mecanismo de verificação de seus próprios argumentos e crenças, podendo invalidá-los ou confirmá-los, para o agente transformador, os críticos são inimigos do futuro socialista. Não se deve examinar o que dizem, mas como combatê-los. O objeto da educação deixa de ser a verdade a ser comunicada, e passa a ser a ideologia a ser praticada.

Uma reforma da educação brasileira passa, como a matéria indica, por um maior envolvimento dos pais com a educação dos filhos. Mas há também um fator inerente às diretrizes políticas da educação. Logo no início da matéria, um trecho exemplifica o que quero dizer:

Em boa parte dos lares brasileiros, uma conversa em família flui com muito mais vigor e participação quando se decide a assinatura de novos canais a cabo, o destino das próximas férias ou a hora de trocar de carro do que quando se discute sobre o que exatamente o Júnior está aprendendo na escola.


Não se pode culpar exclusivamente as famílias brasileiras por essa negligência. É um problema em parte institucional da educação pública. Nós investimos nosso tempo para discutir sobre o carro, as férias ou a assinatura da TV a cabo porque sabemos que a nossa decisão nos afetará diretamente. Nesses casos, somos responsáveis pelos efeitos das nossas escolhas, e isso nos torna mais conscientes delas. Com o currículo escolar é diferente. Mesmo que os pais dediquem seu tempo para analisar minuciosamente o currículo dos filhos, a decisão sobre o conteúdo dos currículos não cabe diretamente aos pais. Cabe ao Ministério da Educação. A opinião dos pais sobre o que as escolas devem ensinar é praticamente desprezível.

Os pais têm algum poder, no entanto, sobrea eficácia do ensino, e isso muda de acordo com a escola. Por isso vemos as famílias gastarem tempo e dinheiro para escolher a melhor escola para seus filhos. A eficiência dos professores varia de escola para escola, enquanto o conteúdo a ser ensinado é praticamente o mesmo por todo o país. As famílias só terão incentivos para se dedicar a entender o que os filhos estão aprendendo quando a decisão sobre o conteúdo curricular couber exclusivamente a cada escola e não ao Ministério da Educação. Quando o pai socialista puder colocar o filho na escola socialista e o pai liberal na escola liberal, o conteúdo do ensino poderá ocupar as conversas dos lares brasileiros. A pluralidade e a descentralização do ensino sempre contribuem para a busca pela verdade.

Pequenos monstros

João Pereira Coutinho, na Folha

Confesso: tenho assistido aos Jogos Olímpicos. A culpa não é minha. A culpa é da diferença horária: quando vou para a cama, Pequim está acordado. Deitado no leito, com a tv ligada, acompanho os exercícios. E a insônia vem a seguir.

Insônia por que? Por causa dos atletas chineses. Nada tenho contra chineses. Mas é difícil resistir ao rosto dessa gente. Americanos, russos, europeus, brasileiros - tudo gente normal, com as alegrias e tristezas de gente normal. Mas os chineses são outra história: o rosto exibe uma tensão e uma infelicidade que não se encontram nos outros. E quando falham, isso não representa uma derrota para os atletas. Representa uma tragédia de contornos apocalípticos. Como explicar o fenômeno?

Infelizmente, com política. Os Jogos não são mero desporto para a China; são uma forma do regime mostrar superioridade perante o mundo (tradução: perante os EUA), vencendo mais medalhas e apresentando uma organização imaculada, onde o fogo de artifício é gerado por computador e crianças inestéticas são dubladas por rostos mais fotogênicos. Um atleta chinês, quando entra em cena, está em guerra diplomática. Perder é morrer.

Mas existe uma razão adicional e pessoal: há trinta anos que a China persiste na sua política do filho único como forma de limitar a explosão demográfica. E essa política tem um preço: quando os casais têm um único filho, a pressão e as expectativas de sucesso aumentam, esmagando os desgraçados. A China criou uma juventude admirável: pequenos monstros que jogam a existência, sua e dos progenitores, em cada prova desportiva ou académica.

A revista "Psychology Today" relembrou recentemente alguns números a respeito. Números que arrepiam. Anualmente, as universidades chinesas produzem 4 milhões de diplomados. Mas a China, apesar do boom económico, apenas consegue absorver menos de metade. O desemprego é o caminho para a maioria, isso numa cultura que nunca tolerou pacificamente o fracasso.

Moral da história? Para começar, o suicídio é a primeira causa de morte entre os chineses mais jovens (entre os 20-35 anos); e só entre os universitários, 25% têm recorrentes pensamentos suicidas (nos EUA, por exemplo, só 6%). Conta a revista que a China lidera os problemas psiquiátricos entre crianças e adolescentes, com 30 milhões a necessitar de acompanhamento psicológico, que aliás não existe: uma das heranças perversas da tirania de Mao foi percepcionar os problemas psicológicos como "anti-socialistas", enviando os "reacionários" problemáticos para campos de trabalho.

Sim, o Brasil pode lamentar as medalhas perdidas. Mas existe um prémio de consolação: os jovens brasileiros entram e saem da China com a cabeça intacta. A sanidade vale ouro.

sábado, 16 de agosto de 2008

Fiquem ricos!

Por Carlos Alberto Sardenberg, do Ordem Livre

Rosa: "Eu quero viajar mais, eu quero passar um tempo fora estudando. Dá pra chegar no fim do mês com o orçamento tranqüilo, mas a gente sempre quer alguma coisa melhor."

A frase, de uma moça, promotora de eventos, encerrou reportagem do "Jornal da Globo", edição de terça-feira, sobre a emergência da classe média, apontada em pesquisa da FGV.

A escolha da personagem, um achado, levanta as questões corretas. Quem é Rosa? Uma pessoa egoísta, preocupada apenas com sua situação individual? Ou um agente de transformações sociais e econômicas para o país?

Não há exclusão. Rosa desempenha os dois papéis. Na verdade, quanto mais conseguir melhorar a sua vida, maior impacto positivo ela levará para a sociedade.

É possível medir o dinamismo de um país, e talvez seja mesmo a melhor medida, avaliando quanto as pessoas conseguem evoluir ao longo de sua vida. Se uma pessoa começa sua atividade profissional vendendo salgadinhos de porta em porta e termina dona de uma rede de restaurantes, isso representa um êxito individual, é óbvio, mas também mostra que o país abriu a oportunidade para essa criação de valor - para ela e para a sociedade.

Do mesmo modo se a pessoa se torna um profissional competente, produtivo, ganhou ela, ganhou a companhia onde trabalha, ganhou a sociedade.

Dito assim, parece simples. Mas quando se observa o cenário nacional, parece que muita gente pensa exatamente o contrário, que o governo é o principal agente do desenvolvimento.

Eis dois exemplos, dois temas em discussão dentro e fora do governo, que tratam de coisas muito diferentes, mas que resultam da mesma concepção ideológica: 1) a proposta de aumento do imposto de renda da pessoa física; e 2) a proposta de criação de uma estatal "pura" para explorar o petróleo da camada do pré-sal.

Nos dois casos, está entendido que o país melhora quando se coloca mais dinheiro nas mãos do governo. Mas se fosse assim, o Brasil deveria ser o melhor entre os emergentes, pois é aqui que está a maior carga tributária nesse grupo de nações.

Também se fosse assim, os setores estatizados na economia brasileira deveriam ir melhor que os privados.

E não é assim. Na verdade, a ascensão da classe média e seu modo de vida provam o contrário, que o Estado fracassa até naquelas que deveriam ser suas funções essenciais.

A classe média, assim que pode, paga planos de saúde privados, coloca seus filhos em escolas particulares e compra um fundo de pensão pessoal. Por que faz isso, mesmo sabendo que, querendo ou não, paga os impostos que financiam aqueles mesmos serviços prestados pelo Estado? Porque é elitista ou porque se julga mais bem atendida no privado?

Olhando pelo outro lado: as empresas privadas de saúde, que hoje atendem mais de 45 milhões de pessoas, as escolas e as universidades particulares, que atendem mais alunos que as públicas, e as instituições financeiras privadas são parasitas ou companhias que geram serviço, valor e empregos?

Sendo as respostas óbvias, pelo simples bom senso, deveria resultar daí uma política de redução de impostos para a classe média e, ao mesmo tempo, de melhora no ambiente de negócios para que pudessem prosperar as famílias e as empresas.

No caso do petróleo do pré-sal, argumenta-se que será necessária uma estatal "pura" para que essa riqueza toda pertença ao povo brasileiro. Mas quem disse que pertencendo ao governo e sendo administrada pelo governo, essa coisa sempre pertence ao povo? O que o povo ganha quando o governo ocupa as estatais com seus correligionários e coloca obras em estados e cidades administrados pelos aliados políticos?

Por outro lado, quem disse que as companhias privadas geram riqueza apenas para seus acionistas? Exatamente como acontece com as pessoas quando melhoram de vida, quando as empresas crescem, produzem mais, geram mais valor e empregos, é a economia local que se torna mais rica. Resumindo, um país é tão rico quanto seus cidadãos e suas empresas.

Mais ainda, o que gera crescimento é o investimento e a criação de valor pelas pessoas e empresas privadas. O governo, quando transfere renda, não cria nada, apenas tira de uns e entrega a outros. O governo ajuda a criar valor quando, por exemplo, oferece boas escolas e segurança para que as pessoas vivam, trabalhem e se apropriem do fruto de seu desempenho. E quando oferece segurança jurídica e bom ambiente de negócios para as empresas, o que não faz corretamente.