sábado, 3 de maio de 2008

A liberdade de uma humanidade passiva

por Diogo Costa, Ordem Livre

O filósofo escocês Thomas Reid derivava a noção de liberdade moral dos conceitos de poderes intelectuais e poderes ativos – poderes intelectuais constituídos por propósitos da mente, e poderes ativos que, quando realizados, produzem efeitos na realidade. Ambos os poderes se confundem num agente único: o ser humano.

Algumas ideologias políticas modernas caracterizam-se por separar esses dois poderes do ser humano e, com paralela sofisticação esquizofrênica, por separá-los um do outro. Essas ideologias costumam ser aquelas criticadas por Frédéric Bastiat como proponentes da idéia de “humanidade passiva”, substituindo a autonomia intelectual e ativa dos indivíduos pela atuação de agentes sobre-humanos.

O marxismo serve de exemplo da idéia da humanidade passiva. Marx explicava o cosmos pela atuação de forças históricas, e as sociedades humanas como movidas por relações de produção. O poder intelectual por excelência não está nos homens em si, mas nas relações existentes entre eles, que não são determinadas por eles. São as forças históricas que moldam a humanidade e que fazem as classes entrechocar-se.

Rousseau também vê uma humanidade corrompida por instituições, como se não fossem os homens que criassem as instituições. O contrato social que pode justificar a corrupção da sociedade ocorre quando “cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade sob o supremo comando da vontade geral”. Em Rousseau, essa “vontade geral” não é simplesmente a soma das vontades individuais, mas uma expressão coletiva da sociedade. A sociedade, para Rousseau, possui um poder intelectual próprio.

Há, nesses dois exemplos, um problema óbvio na conversão da teoria em prática política. Se os homens não são os agentes intelectualmente autônomos, como eles poderão executar esses propósitos que os transcendem?

Para que essas ideologias possam ser postas em prática, a execução dos poderes ativos deve ser removida dos agentes intelectuais (a história, a sociedade) e transferida para agentes verdadeiramente ativos. Como, na realidade, não há agentes ativos externos à mente, a liberdade pregada por essas teorias deve ser “ativada” por meio de homens. Homens investidos com o poder do Estado. No contratualismo de Rousseau, é o soberano que executa a vontade geral. No socialismo de Marx, é o partido proletário que deve servir de meio de transporte para as forças históricas.

A liberdade passa, assim, a significar a concentração de poder em líderes políticos operadores da sociedade. O resultado é, como não poderia deixar de ser, a própria negação da liberdade individual, e os crimes de opressão que passam a ser cometidos em seu nome.

Assim como não pode existir cor sem um objeto material colorido, também não pode haver liberdade em um corpo puramente passivo, mesmo que não haja obstrução sobre esse corpo, o que significa dizer que o corpo livre necessariamente possui a faculdade de agir propositadamente. Enquanto o filósofo pode se perguntar se há som onde não há ouvidos para ouvir, não há dúvidas de que não há liberdade onde não há agentes para agir.

A defesa da liberdade depende do reconhecimento do livre arbítrio e do poder ativo dos indivíduos. A liberdade depende do individualismo metodológico. Quando se tem a idéia de uma humanidade passiva, explicada e causada por fatores exteriores à mente de cada indivíduo, separa-se o poder de agir e de pensar da humanidade, e a defesa da liberdade torna-se no melhor dos casos uma metáfora, e, no pior deles, um crime de tirania.

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