segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Heretics

por Antonio Fernando Borges

Se quer mesmo um monumento, é só olhar em volta: você não pode ser de direita (não pode, entendeu bem?), porque senão, já de manhã, ninguém por perto lhe dará bom-dia, nem o garçom de sempre, nem a empregada de costume, todos vão lhe virar o rosto, e até sua mulher vai lhe negar o beijo rotineiro, e os filhos já não virão lhe pedir a bênção, e o café vai chegar quase frio, e o seu pão vai lhe parecer amargo, não, você não pode ser de direita, porque assim nem o velhote jornaleiro da esquina vai continuar brincando amigável com você, porque ele já andou folheando certos tablóides que vende aos mais jovens, e que antes (mas isso era antes…) achava esquisitos e insolentes, mas agora não mais, ah!, agora não, você não pode mais ser de direita, porque até o motorista de táxi já dirige desconfiado, e quando você insiste em recomendar que ele não desvie muito do caminho habitual, ele o observa de esguelha e sugere (só com os olhos, mas sugere!) que, ali, o único a ter se desviado foi você, paciência!, mas você não pode ser de direita, porque até no emprego novo seus colegas (essas novas raposas velhas) já deduziram suas “inclinações perigosas”, pescadas de duas ou três frases distraídas que você deixou escapar durante o cafezinho, e agora (mais do que nunca!) você não pode ser de direita, se não quiser perder a única chance de levar ao motel sua linda vizinha de sala que, mal olhou para você, caiu-se de amores, e desde então vem caprichando na roupa e nos olhares, mas já tem pensado duas vezes, de tantos que são os murmurinhos a seu respeito, não, você não pode ser de direita sob pena de perder, não só a colega, mas até o emprego, e o caminho de volta para casa, e o último lugar no último trem noturno, e então perder (quem garante que não?) até a mulher, os filhos, e a casa-própria, que você mal terminou de pagar, não, você não pode ser de direita, porque, a esta altura, seu vizinho de frente já comunicou ao síndico, e o síndico já convocou o condomínio, e o condomínio já recomendou que chamem a polícia, e ela já está a caminho, e você tem apenas uns poucos minutos (bem poucos) para entender que não pode ser de direita, até por uma questão de lógica, porque quem é de direita não pode nada, e assim não pode nem ser de direita, porque não pode nada, veja se entende de uma vez, e fique repetindo, até entender: você não pode ser de direita, não pode mais, não pode, entendeu bem?

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A Casa Caiu

por Rodrigo Constantino

“O que sempre fez do Estado um verdadeiro inferno foram justamente as tentativas de torná-lo um paraíso.” (Hoelderlin)


Um dos maiores sonhos de muita gente é ter a casa própria. Naturalmente, casas não custam pouco. Pensem no Robinson Crusoé sozinho na ilha, tendo que construir sua casa por conta própria. Não é nada fácil, nem mesmo uma simples cabana sem luxo. Logo, parece natural que a casa não seja um bem facilmente acessível a todos. Mas justamente por ser o sonho de tanta gente, e não ser fácil realizá-lo, os políticos costumam prometer casas para receber votos em troca. Esquece-se que o “direito à moradia” implica no dever de alguém pagar por isso. E o governo acaba criando inúmeros mecanismos que facilitam direta ou indiretamente a compra da casa própria, principalmente pelos menos afortunados. Ocorre que o governo não produz riqueza, apenas tira com uma mão para dar com outra. Suas intervenções quase sempre distorcem os incentivos no mercado, muitas vezes com resultados terríveis. Isso pode ser parte da explicação para esta crise financeira que vem afetando a economia americana.

Quem tem certa idade lembra-se do fracassado BNH, que financiava o sonho da casa própria no Brasil. O programa deu errado e custou muito para os pagadores de impostos. Mas a mistura de populismo com sonho da casa própria não é monopólio nacional, e existe nos Estados Unidos também. Tornar as casas “acessíveis” tem sido uma meta de todo governo americano, resultando em inúmeros programas e leis. A palavra mágica “acessível” ignora o funcionamento do mercado, que se caracteriza pela livre formação de preços, justamente para permitir escolhas individuais com base sempre em trade-offs. Quando o governo resolve tornar um bem “acessível”, ignorando seu preço de mercado, ele está impedindo o funcionamento adequado do próprio mercado, anulando sua função básica. Ora, o governo pode tornar qualquer bem “acessível”, até mesmo um Rolls Royce. Basta ele destinar recursos tirados de outros locais para subsidiar a produção deste bem específico. Mas isso não pode sair de graça. A única forma de o governo tornar um bem mais acessível é fazer com que outro bem fique menos acessível, destruindo no caminho a liberdade de escolha individual para fazer trocas com base na realidade do mercado. Alguma visão política qualquer, decidida de forma arbitrária por aqueles no poder, substitui a livre escolha dos indivíduos.

A casa própria costuma ser um desses bens escolhidos pelos políticos para ignorar a realidade de mercado. Se seu preço, com base na realidade que leva em conta os fatores de produção e as preferências individuais, impede que uma camada mais pobre da população possa comprar o bem, então o governo entra em cena, como o “herói salvador”, permitindo a compra através de um preço mais acessível. Como não existem milagres nas contas públicas, isso deve ser pago de alguma forma, ou prejudicando outros setores, ou criando uma situação insustentável no setor de casas, inflado artificialmente. Muitas pessoas que em condições normais não poderiam comprar uma casa, passam a ter acesso através da ajuda do governo. Mas como não existe almoço grátis, a conta deverá ser paga algum dia, de alguma forma. Essa não é a única explicação, e talvez nem a mais importante, para a crise americana atual. Mas sem dúvida os incentivos estatais exerceram alguma influência na festa que acabou em ressaca.

Parece curioso tanta gente afirmando que faltou regulação para evitar a crise, se o epicentro da crise foi justamente um setor extremamente regulado como o setor de casas. O governo americano tem sido bastante hiperativo quando o assunto é estimular a compra da casa própria, especialmente pelos mais pobres e mais jovens. De 1994 a 2004, a taxa de crescimento no índice de propriedade de casas para indivíduos com menos de 35 anos foi de 15,5%, bem maior que a taxa para as demais faixas etárias. O crescimento foi bem maior para o grupo dos hispânicos também. Tanto o governo Clinton como o governo Bush promoveram programas destinados à ajuda de jovens e pessoas de baixa-renda na compra de uma casa. Em 1997, por exemplo, a administração Clinton aprovou uma lei permitindo um ganho de capital livre de impostos para a venda da casa principal até o valor de US$ 250.000.

O governo federal também contribui para a compra de casas através da autorização aos estados e governos locais para emitir títulos de hipoteca livres de impostos, os mortgage revenue bonds. Somente esses títulos ajudaram a financiar mais de 100 mil compras por indivíduos de baixa-renda nas últimas duas décadas. Em 1990 foi aprovado o National Affordable Housing Act, e vários outros programas foram derivados deste ato. O Department of Housing and Urban Development (HUD) criou três programas para ajudar na compra da casa própria: HOZ, HOME e SHOP. De acordo com um estudo feito pelo HUD, entre 1992 e 2002 mais de US$ 3 bilhões do HOME ajudaram 270 mil indivíduos de baixa-renda na aquisição de sua casa. Em 2003, a gestão Bush aprovou o American Dream Downpayment Initiative Act, autorizando até US$ 200 milhões de ajuda aos interessados na compra de sua primeira casa. A expectativa era ajudar no financiamento de 40 mil casas por ano.

Esses exemplos são apenas uma pequena amostra, para deixar claro como o governo cria mecanismos de incentivo para a aquisição da casa própria por aqueles indivíduos de menor renda. Logo, trata-se de um setor com bastante intervenção estatal, principalmente quando lembramos que as gigantes hipotecárias foram criadas pelo governo e contavam com sua garantia. Este ponto é extremamente importante, pois essa garantia possibilitou uma alavancagem absurda por parte dessas empresas, de até 50 vezes o capital próprio, fazendo com que elas pudessem assim financiar muito mais gente do que seriam capazes se fossem obrigadas a seguir as forças de livre mercado.

Mas isso não é tudo, apesar de não ser pouco. Um dos principais custos de uma casa financiada é a taxa de juros da hipoteca. Quando o Federal Reserve mantém a taxa básica de juros num patamar muito baixo, por tempo demais, ele cria um forte estímulo ao financiamento da casa própria. Foi justamente o que fez a gestão Greenspan, que segurou a taxa de juros próxima de 1% ao ano por um longo período. Para jogar mais lenha na fogueira, o governo criou regras que dificultaram a compra de ações por parte de grandes investidores como os fundos de pensão, após o crash da bolha de internet. Ou seja, justamente quando o valor das ações estava na “bacia das almas”, os investidores de longo prazo tiveram restrições maiores para apostar em sua recuperação. Somando-se a isso uma taxa de juros absurdamente baixa, a busca desesperada por mais retorno em veículos alternativos foi o único resultado possível. E para piorar um pouco mais o quadro, a regulação estatal cria enormes barreiras para investimentos sem o rating “adequado” das agências de risco. A soma de uma demanda enorme por mais yield com um entrave regulatório de rating resultou no inevitável: produtos criados para atender esta demanda.

Os títulos de securitização de hipotecas com grande mistura de qualidade de devedores no mesmo bolo foram a resposta dada pelo mercado financeiro para atender esta demanda. Com o carimbo de crédito seguro por parte das agências de risco, e uma taxa de juros acima dos demais títulos com o mesmo patamar suposto de risco, esses bonds fizeram a festa de muito especulador. Poucos perderam tempo para questionar porque recebiam mais pela mesma unidade de risco. Naturalmente, não era o mesmo risco, e isso ficou bastante evidente depois do estouro da bolha. Mas a ganância faz parte da natureza humana, o que explica a especulação agressiva por ambos os lados, credores e devedores desses títulos.

Existem outros fatores envolvidos no desenrolar desta crise financeira. Mas estes pontos mencionados acima explicam boa parte do problema. E na origem de tudo, talvez esteja o sonho da casa própria, sem a devida noção de que sonhos não costumam se realizar num estalar de dedos. Sonhos exigem esforço, trabalho duro, poupança, como aprendemos desde criança com a história dos três porquinhos. Aquele que quer pular etapas e evitar o trabalho duro acaba com uma casa de palha, destruída facilmente por qualquer vento mais forte. Se o governo pudesse realizar nossos sonhos com sua “caneta mágica”, o paraíso seria aqui. Infelizmente, ele não pode, e normalmente são essas tentativas de fazê-lo que causam tanto estrago. Agora, o sonho da casa própria ficou mais distante para muitos americanos, e um dos principais motivos foi a “ajuda” do governo. O pior é que muita gente está demandando mais governo para resolver os problemas que ele contribuiu para criar. Não funciona assim. Devemos encarar os fatos da realidade, entender que a casa caiu, quais as causas por trás disso, para podermos consertar as falhas e partir para a construção de um futuro melhor.

O mito do Che

por Lorenzo Bernaldo de Quirós
no Ordem Livre


A estréia mundial do filme Che: El Argentino, de Steven Soderbergh, é uma excelente oportunidade para devolver a figura de Ernesto Guevara, um dos ícones sagradas da esquerda do século XX, à sua dimensão verdadeira. Enquanto vivia, era considerado o mais idealista, abnegado e puro dos dirigentes cubanos. Virou mártir na plenitude da vida, o que permitiu desligá-lo e preservá-lo dos fracassos e crimes do socialismo real. Transformou-se assim num mito em que se combinam os traços de um Cristo laico com os do bom revolucionário. Não obstante, a vida e a obra do Che simbolizam a tragédia da utopia comunista: uma bela mulher com a cabeça nas nuvens e os pés em um pântano de sangue e miséria. Guevara encarna melhor do que ninguém esse terrível paradoxo, e sua personalidade adquire, com o passar do tempo, tons mais sinistros e patéticos do que heróicos.

Che Guevara sempre quis ser lembrado como um “condottiero do século XX”. Disse isto a sua mãe em uma de suas últimas cartas, enviadas da selva boliviana. Apesar das tentativas de intelectualizar o personagem feitas por Régis Debray em A revolução na revolução e por outros apologistas, Guevara não deu nenhuma contribuição teórica ao marxismo. Ele era um homem de ação, um aventureiro fascinado pelas armas e pela violência, como testemunha sua primeira experiência de guerra, o bombardeio da Cidade da Guatemala. A causa revolucionário era um motivo para justificar sua existência, e era um fim em si mesma. Para ele, a revolução era um processo destrutivo permanente e justificado por sua própria dinâmica. Sua consolidação e suas conseqüências nunca lhe importaram. Essa foi uma das causas de sua saída de Cuba em busca de novos horizontes.

Sempre houve uma distância intransponível entre o Che e aqueles a quem ele pretendia libertar. Os trabalhadores e camponeses por quem dizia lutar não tinham nenhum papel na perspectiva guevarista. O indivíduo concreto, suas necessiadades e aspirações não lhe interessavam, nem as famosas condições objetivas que, segundo a doutrina marxista, possibilitavam ou não a revolução. Amava tanto a humanidade que em seu nobre peito não cabiam os homens com h minúsculo. Considerava os trabalhadores cubanos “dentes de uma engrenagem” e aos guerrilheiros “abelhas numa colméia”. O desprezo de Guevara pela realidade e pelos seres humanos levou-o a cometer nebulosos erros de julgamento, como oferecer terras aos camponeses congoleses, que já as tinham em abundância, ou coletivizar as terras de que os bolivianos se tornaram proprietários com as reformas agrárias do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário). Sua incompreensão da ingratidão dos “gulags” bolivianos está amargamente refletida no Diário da Bolívia e fui uma das razões de sua morte: os camponeses o denunciaram às autoridades e contribuíram de maneira decisiva em sua captura.

Na prática, a filosofia vital de Guevara era uma versão da velha doutrina e estética do culto ao herói, ao líder carismático, a uma espécie de super-homem nietzscheano de aroma indubitavelmente estalinista e fascista. Isso se traduziu em um desprezo pela individualidade dos demais e conduziu de maneira inexorável à repressão. Se o “homem novo” não surgia pela imitação do exemplo dos santos guerrilheiros, era necessário fabricá-lo usando a força. Por isso o rosto autoritário do Che rapidamente apareceu. Sua mão não tremia na hora de “fazer justiça” com os mais próximos, nem de ordenar milhares de execuções de adversários. Em 1960, criou o primeiro campo de concentração do regime castrista, chamado Guanahacalibes, destinado à “reeducação pelo trabalho”. O lendário idílio com os camponeses da lenda guevarista se traduzia, nas palavras de Guevara, em “terror planificado” quando eles se mostravam insensíveis a seus planos salvadores. O Che não queria sujar as mãos, mas não lhe causava repulsa manchá-las de sangue. Freqüentemente dizia, parafraseando Sartre: “são elegantes as luvas vermelhas”.

Sua crença em sua capacidade de atingir qualquer objetivo independentemente das restrições impostas pela realidade e pela lógica teve uma expressão dramática em sua lamentável gestão da economia tanto no Banco Nacional de Cuba como depois no Ministério da Indústria. Sua ignorância econômica, unida à introdução da centralização burocrática, à abolição do mercado e a seu desejo de substituir os incentivos materiais pelos morais no comportamento dos indivíduos e das empresas, levaram ao colapso econômico e a um rápido empobrecimento da população. No fim da década de 1960, Cuba tinha sérios problemas de fornecimento de energia, escassez de comida e de outros produtos básicos, levando ao sistema de racionamento ainda vigente. Não havia à época o embargo americano, isto é, o inimigo externo não pode ser usado como pretexto para explicar o desastre, tão grande que forçou a ortodoxia marxista a formular, pelas mãos de Charles Bettelheim, uma crítica demolidora das políticas de Che Guevara. Esse foi outro fator determinante de sua saída de Cuba.

Neste momento do século XXI, Che Guevara surge como caso paradigmático do terror e da morte que marcaram o século XX, refletindo o lado obscuro da força, essa energia terrível voltada para a destruição e a opressão. Guevara não tem lugar na Liga dos Homens Extraordinários. Sua história é a história de um fracasso. Seu sucesso teria se traduzido na construção de um gigantesco gulag planetário, administrado pelos santos apóstolos da revolução, com Guevara, seu profeta, à frente.

O Bobão

por Ralph J. Hofmann
via Diego Casagrande


Dói na alma ver aquele menino de 13 anos, com 1,75 metros, pesando 78 quilos, mas muito bobão, sem saber usar sua força, no meio do pátio da escola levando rasteiras dos colegas, tendo a merenda arrancada de sua mão. Sua mãe super rigorosa, de medo que o gigante massacre os outros, ensinou que não pode bater neles. Então ele leva desaforo para casa e não reclama. E acha desculpas para seus algozes. Diz que eles são assim por não terem uma mãe legal como a sua.

Aos infernos com a alegoria! Já deverão saber que estou a falar do Brasil, este gigante idiota que perde o picolé para qualquer nanico que decide que quer uma coisa do Bobão.

Que fique bem claro! Um energúmeno que deixa qualquer paizinho de merda como a Bolívia renegar compromissos e ainda manda emprestar mais à Bolívia não tem condições de dar aulas de moral e ética nacional na ONU. O comportamento ético e moral começa em casa. E inclui a defesa do patrimônio nacional sem coração mole para o coitadinho do vizinho pobrezinho.

Uma vez quando menino bati na cabeça de outro menino com um pesado trenzinho de brinquedo, porque meus pais sempre me obrigavam a dar meus brinquedos para o “coitadinho” que não tinha nada. Em lugar de formarem meu caráter com isto naquele momento simplesmente estavam alimentando uma frustração que veio a explodir.

E o pior do menino que não reage é que alem de sofrer a perda e as equimoses ainda passa a ser vítima de desdém. Qualquer menino recém chegado ao pátio percebe que a bola da vez é um chute na canela do idiota.

Dito e feito. Rafael Correa do Equador pode ter razão. Pode até ter razão. Mas se o BNDES tiver o pagamento de seus financiamentos suspenso, atrasado ou até negado é demais! Manda um recado claro. “Joga merda no João Bobão” que é seguro. Ele não reage, olha a Bolívia levando cada vez mais. Nem sequer asilo dá para os perseguidos políticos da Bolívia. O Brasil não é de nada. Brzzil, Brzzzil, nem Brasil merece ser.”

E quem devemos castigar? O Evo? O Rafael Correa? Não! Porque o Brasil não está castigando quem passou o recado errado aos vizinhos. Onde estão os ovos e tomates podres jogados no presidente e nos ministros? Onde estão os deputados exigindo que se defenda a honra nacional? Na fila da coima, da propina? No caixa do banco.

E não culpe o empresário corrupto, Sim, ele é culpado. Mas culpado do que? De jogar segundo a regra do jogo dos políticos. Cá e lá, pois enquanto não acredite na culpabilidade da Odebrecht do ponto de vista técnico, tenho certeza de que ela é culpada de corrupção, pois esta é a maneira que as coisas funcionam no Equador. Pela corrupção. “Qui nem nóis!” Infelizmente deve ter errado na quantia, ou na pessoa corrompida.

Viva o Brasil! O pato do momento!

Subitamente, Ron Paul passou a ser ouvido com mais atenção

via Causa Liberal

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Drew Carey: Vida Boa

Drew Carey examina a vida da classe média americana.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Não votar não é ser despolitizado

por Pedro Sette Câmara, no Ordem Livre

Nas escolas e nas universidades existe muita preocupação com o voto. Ninguém quer ser visto como “alienado” (é impressionante como os chavões dos anos 60 perduram entre os mais jovens; será que vamos ter de esperar a geração de seus professores simplesmente morrer para que isso acabe?). Para ser devidamente politizado, você tem de estar conectado ideologicamente com alguma das opções atuais, e simplesmente não se sentir representado por ninguém é a) um dilema terrível, ou b) uma frescura pura e simples. Você precisa ter em quem votar.

Eu mesmo acreditei nessa bobagem por anos a fio. Ficava lendo sobre política, discutindo, e ao mesmo tempo tentava justificar a apolitéia só porque não voto em ninguém, não me sinto representado por ninguém e não me lembro de um político cujo discurso não me tenha feito pensar: “Isso não faz o menor sentido, ele não completa nenhum raciocínio; Deus, me ajude!” Enquanto eu falava sobre princípios e valores, lentamente fui vendo como essas coisas se aplicavam à minha vida prática. Não sou político, nunca vou nem tentar ser; mas sou, querendo ou não, um zoon politikon, um animal social. Não vivo na pólis perfeita, nem vejo com bons olhos o desejo de implementar uma sociedade perfeita neste mundo; mas como vou me relacionar com a sociedade que existe à minha volta? Como meus princípios liberais me orientam?

Nessa questão do voto, a primeira coisa que sei é bem simples. Eu sou politizado. Não admitirei que o conjunto limitado e pouco inspirador das opções de políticos determine o que eu vou fazer, nem a minha identidade. Eu sou algo que não é representado por nenhum partido, e isso é problema dos partidos, não meu. Aquilo que escrevo, que discuto e que leio faz de mim alguém politizado em termos diferentes e mais justos do que aqueles usados no senso comum, e isso não é difícil de explicar.

As pessoas que se julgam politizadas estão sempre discutindo o mesmo tema, com base na mesma premissa: “o que devemos fazer com a máquina onipotente do Estado, que deve permanecer onipotente?” Não apenas a premissa é totalitária, como a premissa por trás da idéia de que ser politizado é restringir-se a essa discussão é igualmente totalitária. Se você acredita que lutar contra o totalitarismo é uma boa coisa, a primeira coisa a fazer é rejeitar todos os candidatos que dependam da lógica desse estado intervencionista. Ser politizado também é levantar a pergunta “e como o governo pode sair de cima dos cidadãos e parar de atrapalhar suas vidas?” Ou ainda: “por que o governo deveria ter todo esse poder?” “Do que exatamente estamos falando quando dizemos palavras como desigualdade?” “Será que um problema causado pela intervenção estatal deve ser resolvido com mais intervenção?”

É muito mais proveitoso – para si mesmo e para a sociedade – que você estude a Política de Aristóteles, o Segundo tratado de governo de Locke ou obras semelhantes. Se você as estuda, se discute, se consegue criticar as políticas públicas atuais com base em seus estudos, está abrindo a possibilidade de que algum dia algum político venha a representá-lo, porque, como explicou Hayek em seu famoso ensaio sobre os intelectuais, os políticos não são líderes, mas seguidores. Eles precisam atender a um anseio que exista na população, e por isso é melhor lançar novas idéias do que resignar-se com as antigas.

Enquanto isso, não se sinta culpado por não ter em quem votar. Pague a pequena multa de R$3,51 pelo não-comparecimento ou simplesmente anule seu voto. Se você só gosta de massas, não se sente obrigado a entrar num restaurante que só servisse carnes. Se você tem um gosto refinado, não se sente obrigado a consumir algo inferior. Não pense que existe alguma obrigação moral de escolher entre candidatos que simplesmente não o representam, e economize o tempo e a energia que gastaria com isso pensando em como reformular as questões da maneira mais adequada.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Fim da economia de mercado?

via Conde



A crise do mercado imobiliário norte-americano, na visão lúcida de Roberto Fendt, do Instituto Liberal. Fim do "neoliberalismo"? Bobagem.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A Morte do Neoliberalismo

por Rodrigo Constantino

“Não olhe para onde você caiu, mas sim onde você escorregou.”
(Provérbio Africano)




Com o anúncio de que o governo americano irá salvar, através da injeção de capital, as duas gigantes do setor imobiliário, várias viúvas do intervencionismo aproveitaram para decretar a morte do “neoliberalismo”, demonstrando grande regozijo com a desgraça alheia. No entanto, há muita ignorância – ou então má fé – por parte dessa gente, uma vez que boa parte dos problemas com a Fannie Mae e a Freddie Mac vem justamente do intervencionismo estatal. A tentativa de culpar o livre mercado por uma crise séria não é algo novo, e os riscos desse julgamento inadequado são enormes, como vimos depois da crise de 1929, com um aumento assustador dos poderes do governo*. Por isso é tão importante tentar desfazer essa desinformação acerca do tema.

Em primeiro lugar, devemos lembrar que os Estados Unidos não são o ideal liberal. Em uma resenha antiga que escrevi sobre o livro A Obsessão Antiamericana, de Jean François-Revel, expliquei logo no começo esse ponto, fazendo o seguinte alerta: “Lá, o Leviatã é um monstrengo também, que extorque quase 30% da riqueza privada em nome do bem-estar social. Mas atualmente, é o que temos mais próximo do liberalismo, justamente a causa de seu sucesso relativo”. Logo, a tentativa de encarar o modelo americano como o ícone perfeito do capitalismo liberal não faz sentido. Os liberais têm muitas críticas ao excesso de intervenção estatal na economia americana. Quem tem dúvida disso, basta navegar pelos sites do Cato Institute ou do Mises Institute para ter uma boa idéia dos duros ataques que o governo americano sofre por parte dos liberais. Um alvo desses ataques sempre foi justamente a existência dessas Government Sponsored Enterprises (GSE), empresas criadas e garantidas pelo governo para atuar no mercado de hipotecas.

Como exemplo, temos um artigo escrito pelo presidente do Mises Institute, Lew Rockwell, onde ele explica as origens dessas duas empresas em crise:

“A Fannie Mae (Federal National Mortgage Association) foi criada em 1938 por Franklin Delano Roosevelt, durante o New Deal. Sua função era fornecer liquidez ao mercado hipotecário. Durante os 30 anos seguintes, ela desfrutou do monopólio do mercado secundário de hipotecas nos EUA. Tornou-se uma corporação privada em 1968, para conter o déficit orçamentário do governo. A Freddie Mac (Federal Home Loan Mortgage Company) foi criada em 1970, no governo Nixon, para expandir o mercado secundário de hipotecas e, assim como a Fannie Mae, tem a função de fazer empréstimos e dar garantias a empréstimos. Tanto a Freddie Mac como a Fannie Mae, junto com outras empresas, compram (dos bancos) hipotecas no mercado secundário e as revendem para investidores no mercado aberto como títulos lastreados em hipotecas. Ambas são empresas de capital aberto.

A Fannie Mae e a Freddie Mac são conhecidas como ‘empresas apadrinhadas pelo governo’, o que significa que elas são empresas privadas, mas com propósitos públicos. Esse tipo de empresa tem o apoio implícito do governo americano, conquanto não tenha obrigações diretas para com ele. Por causa desse apadrinhamento que elas recebem do governo, essas duas empresas conseguem financiamentos a taxas vantajosas – os credores imaginam que, em caso de insolvência, o governo ajudará essas empresas. E, devido a esses financiamentos facilitados, elas acabaram por sobre-estimular o mercado imobiliário, inflando-o a alturas inimagináveis, ao comprar hipotecas que foram securitizadas por bancos de todo o país.”


A conclusão do autor é inequívoca: “Essas duas empresas não deveriam existir”. A Fannie Mae foi criada pelo governo mais intervencionista que os Estados Unidos já tiveram, criador do New Deal, um programa que plantou as sementes da estagflação que destroçou a economia americana em décadas posteriores. A “herança maldita” de Keynes não poderia ter um exemplo prático melhor do que essa política expansionista dos gastos públicos e dos seus tentáculos burocráticos. Muita gente, por falta de conhecimento ou viés ideológico, atribui o oposto ao New Deal: um prêmio por salvar a economia americana. Nada mais falso. Ora, crescer artificialmente por algum período até um país socialista consegue. O problema vem depois, quando a conta precisa ser paga. Uma analogia boa é alguém ficar eufórico por conta de bebida alcoólica, ignorando que depois terá que enfrentar uma ressaca. Se esta for postergada com mais bebida ainda, tudo que ele irá conseguir é uma cirrose. Os keynesianos acreditam que o rabo é que balança o cachorro, acham que o consumo é que gera crescimento, e não a poupança e o investimento. Eles acreditam que é possível alguém se suspender puxando os próprios suspensórios! A realidade cobra a fatura do sonho depois, com juros e correção monetária. “No longo prazo estaremos todos mortos”, afirmou o pai da criatura, ignorando que com suas idéias o longo prazo chega antes.

Voltando à crise das gigantes imobiliárias, elas jamais teriam acumulado tanto passivo se não fosse a garantia do governo. Essas empresas possuem dívidas totais superiores a US$ 5 trilhões! Isso representa mais da metade da dívida nacional americana. Lew Rockwell comenta: “Empresas apadrinhadas pelo governo não estão sujeitas às disciplinas do mercado, como as empresas do setor privado. Seus títulos são listados como títulos do governo, o que faz com que seus prêmios de risco não sejam ditados pelo livre mercado”. O grau de alavancagem dessas empresas foi ampliado exponencialmente pela garantia estatal. Rockwell lembra qual regime possui essa mistura entre governo e gestão privada: “A origem de ambas essas organizações está na legislação federal. Elas não são entidades de mercado. Elas há muito são garantidas pelo contribuinte. Não, elas também não são entidades socialistas, pois são gerenciadas privadamente. Portanto, elas ocupam um terceiro status, para o qual há um nome: fascismo”.

Como fica claro, aqueles que logo aproveitaram para atacar o livre mercado foram muito precipitados. Deveriam pesquisar antes os fatos. Acabaram errando feio o alvo, talvez de forma deliberada. Parasitas precisam sempre defender mais intervenção estatal, pois vivem disso. Talvez esse seja um dos motivos por trás da acusação infundada de muitos. Outro fator é o ideológico. Por questões patológicas, o triste fato é que muita gente ainda condena o capitalismo liberal pelos males do mundo, não obstante tanta evidência contrária. O importante disso tudo é não deixar essa poluição – deliberada ou não – ofuscar a verdade. Uma vez mais tentam jogar nas costas do liberalismo a culpa de algo que foi causado pelo próprio governo. Se fosse apenas uma questão de justiça com os fatos, poderíamos ignorar o uníssono das viúvas de Fidel, pois a honestidade nunca foi o forte dessa turma. O problema mais grave é que idéias têm conseqüências, e muitas vezes nefastas. Se o diagnóstico da doença for errado, o remédio poderá ser fatal. Em outras palavras, se o livre mercado sair como grande vilão dessa crise, e se a intervenção estatal for vista como solução, pode-se preparar o atestado de óbito. O longo prazo de Keynes estará logo ali...

* Quem tiver interesse no tema da crise de 1929, recomendo o livro America’s Great Depression, de Murray Rothbard, onde os fatos são resgatados, mostrando que a hiperatividade do governo foi a principal causa da depressão que assolou a América.

O homem-massa como burocrata

por Conde Loppeux de la Villanueva



Quando o ex-oficial nazista Adolf Eichmann foi capturado na Argentina por agentes do Mossad, o serviço secreto israelense, uma boa parte da opinião pensante achou que encontraria um monstro frio e diabólico. Sentiram-se frustrados. Se ele não fosse o responsável pelo massacre de judeus no Leste Europeu, qualquer pessoa veria no sujeito um burocrata mediano, uma criatura medíocre, que causaria indiferença, enfurnado em uma mesa de repartição pública. De fato, o mesmo se pode esperar do capitão SS Rudolf Hoess, o chefão todo poderoso do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. Em suas cartas e escritos, o sanguinário burocrata fala de seu emprego como um empreendimento maçante, estressante, menos cruel. Não havia remorso no que fazia, nem mesmo uma citação de clemência para suas vítimas. Ademais, ao lado de um dos maiores genocídios da história, o “respeitável” burocrata Hoess voltava em mais um dia de trabalho, beijava seus filhos e sua mulher, passeava pelos campos e parecia dormir calmamente. Jogar zyklon B nos judeus e cremá-los era um expediente tão estressante quanto marcar com carimbo uma boa papelada. Era, em suma, um ato impessoal. Como um burocrata, achava que fazia um bom serviço e tinha senso de dever. Tão assustador quanto o aspecto moral criminoso desses homens, era sua particular obsessão pela técnica, pela eficiência burocrática. Não havia contradição neles em beijar seus parentes e massacrar centenas de milhares de famílias judias inteiras. Eles poderiam ser o nosso vizinho ao lado, o sonolento funcionário que encontramos em uma mesa de escritório, ou mesmo um amigo de trabalho em uma festa de fim de semana.

Aí volto à questão do “senhorito arrogante”, do homem-massa do livro de Ortega y Gasset, “A Rebelião das Massas”. Alguns sujeitos ficaram escandalizados com as críticas que fiz a respeito da legião de bacharéis tecnocratas que hoje em dia são jogados pelas universidades brasileiras. Em particular, referia-me às faculdades de direito, onde os novos reizinhos querem moldar a sociedade pelo horizonte limitado de suas concepções meramente técnicas ou burocráticas. Há, no entanto, um vazio moral e filosófico perigoso na nova cepa de bacharéis. Eles não conseguem refletir em termos morais ou intelectuais genuínos, porém, em meras projeções sistêmicas e academicistas. Ou mais, crêem que as leis são um fim em si mesmo, tal qual a doutrina disseminada pelos juristas. Existe algo bem pior: alguns se acham, inclusive, acima das leis. Sinceramente, o direito achado na academia dá náusea. É uma mera discussão de burocratas carreiristas por cargos públicos. Aliás, a filosofia e história do direito, atualmente, são mal vistas. Na verdade, o que se convém chamar “filosofia do direito”, com algumas exceções, é mera discussão de grupos militantes, é mera ideologia. A erudição intelectual é algo virtualmente extinta nas universidades: o que há, de fato, é um proletariado cultural que destrói o conhecimento e o transforma em mera instrumentalização da retórica política. A sabedoria contemplativa, um bem precioso que existia até a época medieval, é um ser maldito nos tempos modernos. A meditação é inútil. O negócio mesmo é modificar o mundo sem entendê-lo. Ou instrumentalizar a técnica como uma interpretação gnóstica ou uma revelação divina do mundo.

Daí a existência de uma penca de juristas, promotores, juízes e advogados exigindo cada vez mais intervenção governamental na vida privada, em nome de “corrigir” ou “transformar” a sociedade, dentro de um voluntarismo pseudo-moralizante. São os ativistas profissionais. O excesso de regulamentação que exigem do Congresso Nacional é o alargamento da “técnica” deles. Quando mais burocracia e leis, melhor para eles. Acabam controlando mais... é o mundo moldado pela tecnocracia jurídica.

É claro que em nosso país, essa obsessão por papeladas, por status burocrático e por títulos honoríficos de doutores não é de hoje. O culto da aparência intelectual formal, em detrimento do conteúdo essencial, é uma regra que existe desde que o romancista Lima Barreto escreveu uma sátira aos doutores, no famoso livro “Pais dos Bruzundangas”, no inicio do século XX. No entanto, algumas mazelas parecem se acentuar. O fenômeno da busca desenfreada do concurso público, dado um exemplo, constitui uma anomalia intelectual, social e econômica. É uma anomalia intelectual, pois o direcionamento do que se julga conhecer e desenvolver como “sabedoria” em universidades é meramente uma expressão técnica e formal do Estado. É uma anomalia social, pois constitui um agigantamento do Estado e uma diminuição de força política da sociedade civil privada. E é uma anomalia econômica, precisamente porque o Estado, que jamais foi produtor de riquezas, cada vez mais se apropria destas em favor de uma classe ociosa e inútil. E há outro aspecto, que é mais grave: a mera instrumentalização da técnica e da retórica implica uma isenção moral dessa classe burocrática que hoje atua. Não me chocaria nem um pouco o porquê de existirem pessoas como Eichmamm ou Hoess no século XX. O burocrata frio que considera seu trabalho deportar populações inteiras a um campo de concentração, apenas no poder do carimbo, tem as mesmíssimas propensões da burocracia voluntariosa que ascende ao poder em nosso país e em alguns lugares do mundo. É uma classe de pessoas extremamente obediente, voluntariosa, corporativista e defensora de seus cargos de carreira. Entretanto, não são morais, no sentido tal como entendemos. Pelo contrário, a falta de um suporte intelectual e moral é ocupada pela técnica e preenchida pela ideologia. A adesão de uma boa parte da burocracia brasileira ao socialismo não é mera coincidência. É uma defesa férrea e apaixonada de um cadinho de poder pelo puro ativismo. A estatolatria se torna, por assim dizer, um “direito natural” do funcionário público.

A burocracia nazista, em parte, herdou a velha tradição prussiana, que via a sociedade como uma expressão técnica e extensiva do Estado. O Estado alemão tinha algo muito mais severo: era uma burocracia militarizada. Os funcionários públicos alemães usavam farda e compunham um exército. A disciplina militar obrigava ao funcionalismo ser obediente, em troca de favores e ascensão aos cargos públicos. E o sonho de cada prussiano médio era usar um uniforme e compor as fileiras do governo. Havia no povo alemão uma espécie de reverência quase religiosa pelos burocratas. Tal como engrenagens de um corpo sistêmico, a obediência estrita era lei. Não é por acaso que, no vácuo de princípios intelectuais e morais genuínos, a burocracia alemã aderiu fielmente à ideologia nacional-socialista. Uma sociedade tradicionalmente servil ao Estado acabou encarnando uma ideologia perversa, pela isenção filosófica e moral e pelo culto da técnica. Ou pelo favoritismo pessoal ativista.

O que o burocrata alemão médio perderia com o nazismo? Uma ideologia que diviniza o governo não somente o promove, como cria uma enormidade de prerrogativas e poderes jamais sonhados por eles. Massacrar judeus pode ser um incômodo desagradável, maçante e estressante para alguns. E pode ser até prazer para outros, fanatizados com a ideologia lunática da superioridade das raças de Hitler. Contudo, é algo compensável, já que a burocracia não pensa em outra coisa, senão buscar status e mais status em órgãos públicos. Uma boa parte, senão a maioria dos alemães, talvez detestasse a idéia de crer que o seu governo estivesse massacrando os judeus. No entanto, o conforto material enganoso do Estado nazista parecia redimir o preço a ser pago por um grande crime. Quando Eichmamm foi interrogado num tribunal israelense, sobre os motivos de ter matado aquelas pessoas, aquele burocrata sonolento, submisso, insignificante, dizia que apenas recebia ordens. O protótipo do homem-massa, do senhorito arrogante, não contemplava outra coisa senão a obrigação de seguir a técnica e o oficio de um burocrata.

Em cada acadêmico tecnocrata pomposo e ativista, em cada burocrata voluntarioso, em cada funcionário público tapado, devemos ver sempre um Eichmamm ou um Hoess a temê-los. São "senhoritos satisfeitos" e estupidamente arrogantes.Os fascismos e demais socialismos têm muito a dever a esses tipos humanos. É a rebelião das massas sob o signo da falsa instrução e a falsa indignação moral, nivelando a cultura e os valores por baixo. E no final das contas, é tão somente o desejo de poder de pessoas medianas, incapazes de entender os dilemas graves de suas responsabilidades e os valores da civilização.

Ministro de quatro

por Guilherme Fiúza

Se o Brasil passar bem por essa crise financeira internacional, o posto de ministro da Fazenda poderá ser sumariamente extinto. Guido Mantega passará à história como o homem que provou a obsolescência do cargo.

Mantega declarou que, em outros tempos, o Brasil já estaria “de quatro” na crise deflagrada pela quebra do Lehman Brothers. Em outros tempos, se o Brasil tivesse um ministro como Mantega, não teria sobrado país para contar a história.

No momento em que o furacão americano devasta as bolsas do mundo inteiro e deixa os brasileiros de cabelo em pé, a maior autoridade econômica nacional tranqüiliza o país da seguinte forma: a crise vai encarecer o crédito no Brasil, vai desacelerar a nossa economia e vai minguar a entrada de dinheiro externo. Mas vai ficar tudo bem.

Em outras palavras: o monstro existe, é horripilante, sanguinário e está ali atrás da porta, mas eu vou cantar uma bonita canção de ninar para vocês. Durmam tranqüilos.

Nunca se viu tamanho grau de autismo de um homem forte (sic) da economia brasileira. Lula deve ter se arrepiado todo. Tanto que veio a público dizer que a crise será praticamente imperceptível para o Brasil. E teve o cuidado de dizer que tinha acabado de conversar com o ministro Mantega.

Os movimentos do mercado são guiados basicamente pela sinfonia das expectativas. O presidente fez o óbvio: se há razões para se confiar na solidez da economia, ele afirma que a economia está sólida. E ponto.

Se tudo ruir, a conversa será outra. Mas nunca se viu uma autoridade econômica discorrer sobre as ameaças de ruína para explicar que vai ficar tudo bem. Para o mercado, é mais ou menos como explicar que o bicho papão é bonzinho.

O Brasil poderia estar de quatro. E se não ficar, será graças à desimportância do que diz o seu ministro da Fazenda.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O DNA do caos

por Guilherme Fiúza

A Bolívia de Evo Morales está um caos. E o governo brasileiro, que ajudou a plantar e a regar esse caos, agora diz que não vai tolerar rupturas na Bolívia.

O vírus do autoritarismo não tem cura. Essa política brasileira para a América do Sul, que tem as digitais de José Dirceu, Marco Aurélio Garcia, Celso Amorim e companhia neo-chavista do Itamaraty, está só começando a colher os frutos da sua brincadeira de ditadura democrática.

O cocaleiro Evo Morales era antiga aposta de Hugo Chávez para a Bolívia. Lula não só apoiou, como se meteu no processo eleitoral boliviano para favorecer o candidato chavista. Autoritarismo regado com autoritarismo.

Eleito, Morales invadiu a Petrobras e tomou o mercado do gás como refém. Lula passou a mão na cabeça do índio incendiário.

O governo brasileiro pode tudo, menos estranhar o caos e a iminência de ruptura institucional na Bolívia. Morales semeou conflitos em todas as frentes, e tem fermento de Brasília nesse bolo.

Agora o presidente cocaleiro expulsa o embaixador dos Estados Unidos, em medida claramente premeditada – tanto que repetida na Venezuela por seu padrinho, que exclama “Vão para o inferno, ianques de merda!” E o Brasil não só tolera isso, como chama essa turma para conversar sobre conciliação. Não pode ser sério.

Essa brincadeira revolucionária vai acabar mal, muito mal.

Marco Aurélio Garcia, o gênio da democracia com asterisco, brada que o Brasil não vai tolerar golpe no vizinho. Deve estar sendo aplaudido do céu pelo general Figueiredo, aquele que disse que quem for contra a abertura eu prendo e arrebento.

O grupo de Lula tem carteirinha desse imperialismo cucaracha que está na raiz da escalada violenta na Bolívia. É a mesma tática do apoio petista à revolução fajuta e criminosa das Farc.

Podem até conseguir mandar os ianques para o inferno. Mas provavelmente chegarão lá antes deles.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Homem-massa nos tribunais: uma justiça totalitária no Brasil

por Conde Loppeux de la Villanueva



Uma questão observável no meio jurídico brasileiro atual é a quase total indigência de conhecimentos gerais e humanísticos entre muitos bacharéis em direito. Se há algo que a universidade forma atualmente é uma legião de futuros tecnocratas, meros copiadores de leis, como que preparados para pertencer a uma gigantesca burocracia, seja ela estatal ou paraestatal. Isso se reflete no excesso de regras jurídicas, de funcionários públicos e de advogados que são jogados aos montes no mercado de trabalho. Na prática, é uma gigantesca estatização da classe média, já que as atividades privadas, sobrecarregadas de impostos e, por conta disso, cheias de riscos, tornam-se cada vez menos interessantes. Do ponto de vista econômico, a classe média vai aonde está o dinheiro. E a maior parte do butim está nas mãos do Estado. Nada mais lógico que ela procure no funcionalismo público uma estabilidade que não encontra na iniciativa privada. Entretanto, fica a pergunta: quem é que vai sustentar tanta gente? Alguém duvida que isso é um processo lento e graduação de estatização da economia?

Se o Estado sofre um processo lento e gradual de agigantamento, cria-se no mercado uma série de empecilhos burocráticos e morais. Já é relativamente comum a ideologia anti-empresarial no imaginário brasileiro. Essa perspectiva se coaduna com outras formas de distorções econômicas, tais como as reservas de mercado e outras demais formas antiquadas de corporativismo em ofícios profissionais, sejam elas empresariais ou até mesmo profissões liberais. Quem duvidará que as provas da OAB, que depuram milhares de bacharéis em direito, restringindo a profissão advocatícia, não é uma reserva de mercado? Em nosso país, até então existia reserva de mercado para jornalistas, uma aberração, do ponto de vista das democracias. Quando o MEC exige títulos e mais títulos para o exercício da profissão de licenciatura nas universidades ou escolas, isso é também reserva de mercado. A cultura cartorial da papelada, tão comum nas altas esferas do Estado, contamina a economia privada do país, incapaz de ser competitiva, empreendedora e dinâmica. Para cada profissão, um título. Quer ensinar história? Tenha diploma de história. Quer ensinar direito? Tenha diploma de direito. Enfim, o que vale não é a cultura real, mas o papel timbrado. Os autodidatas, por definição, estão excluídos desse mercado, ainda que demonstrem ter um conhecimento acima da média dos nobilitados.

Feito isto, eis o que é preocupante na cultura jurídica brasileira: o vácuo de um conhecimento geral apurado de filosofia e demais outras letras deu margem ao ativismo militante encarnado na figura de advogados, promotores, procuradores, juízes ou defensores públicos. Esse ativismo implica uma partidarização do direito, dentro de espúrias crenças de esquerda. Se a classe média está sendo estatizada, por outro lado, ela quase sempre assume uma ideologia corporativista e totalitarista do poder e do direito no Estado. A lógica se processa da seguinte forma: a burocracia estatal é sempre voluntariosa e benévola; a livre empresa é sempre má e exploradora. É o que se passa na cabeça de muitos causídicos iletrados, a despeito de notórios conhecimentos jurídicos. Entretanto, saber jurídico é tão somente um saber técnico. Não é saber filosófico, não é cultura intelectual, não é elevação moral, no sentido maior do termo.

A média dos advogados brasileiros está no nível dos “señoritos arrogantes” tão fielmente descritos na Rebelião das Massas, de Ortega y Gasset: os medianos, de cultura técnica acham que podem medir a humanidade pelo prisma de suas limitadas idéias e esquemas de conhecimento. Não é por acaso que o positivismo jurídico ou o marxismo mais rasteiro se apropriem do vazio intelectual da classe jurídica. Diria rasteiro, porque uma boa parte, senão a maioria, só conhece os autores através de fragmentos, e nunca se interessou em se aprofundar a respeito. Na verdade, há uma certa absorção sofística no direito que vicia sua linguagem. O positivismo jurídico, na valorização absolutista da formalidade e aparência legal e o marxismo, na politização e instrumentalização corporativista das leis, parecem atender perfeitamente a consciência de uma classe de pessoas que só se contentou em decorar e soltar regras a granel. A ideologização do direito no Brasil adquire sintomas preocupantes, porque representa o nascimento de esquemas totalitários aplicados em sentenças e formas abusivas de controle do Estado sobre a sociedade civil.

Alguns exemplos podem ser vistos na realidade política atual. O tribunal paulista que condenou o jornalista Diogo Mainardi da Revista Veja, em processo movido pelo também jornalista Paulo Henrique Amorim, representa um sintoma claro desse modelo de pensar. O parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo sobre o assunto mais lembra àquelas tristes épocas da burocracia soviética, em que os tribunais inquiriam ideologicamente o réu e o fuzilavam. A declaração do Procurador de Justiça Carlos Eduardo de Athayde Buono é uma pérola do sovietismo mais ralé. Daqui a alguns anos, quem sabe os futuros burocratas e juristas “soviéticos” não fuzilem o Mainardi?!

O procurador tem umas senhoras pérolas: “É notório que o querelado, em suas matérias semanais, quase sempre atinge a honra de alguém, maldosamente, maliciosamente, com evidente animo de depreciar seu alvo”. (Como se os vigaristas citados por Diogo Mainardi tivessem algum tipo de honra e não merecessem ser depreciados). O fazedor de regras ainda nos completa: “É preciso ressaltar que não sou simpatizante do PT, ou de qualquer partido político”. Bem, todos os petistas chapas vermelhas dizem isso, para simular imparcialidade. O resto do relatório é um poço de puxa-saquismo e falta com a verdade: “Ah, se soubesse adivinhar o futuro esse jornalista não devia ter dito o que disse, ante os fatos e a prisão de Daniel Dantas pela Polícia Federal e sua posterior soltura”. Qualquer pessoa informada sabe que a prisão do banqueiro Daniel Dantas não foi motivada por um excesso de moralidade do governo, e sim para chantagear um sujeito que presta grandes favores ao mesmo, através de muita propina.

Todavia, o Sr. Carlos Eduardo é um burocrata sem senso de humor. Assim ele nos diz: “Dizer que Franklin Martins, Paulo Henrique Amorim e Mino Carta estão na fase descendente de suas carreiras só porque os dois primeiros não estão na Globo é bobagem sem tamanho dita pela arguta defesa. Felizmente não é verdade. A Record e a Bandeirantes e outros meios de comunicação têm crescido e feito frente à Globo (hoje o monopólio não é mais saudável, especialmente nas democracias e na globalização).” Presumo que o Sr. Procurador é incapaz de entender ironias. De fato, Franklin Martins foi demitido pela Rede Globo quando se soube que ele era figura carimbada no Planalto, principalmente quando sua irmã foi favorecida pelo governo. Isso porque o próprio ganhou um cargo de ministro, por serviços prestados à chapa vermelha petista. Sem contar o jornalismo de Mino Carta e Paulo Henrique Amorim, que é notório e descarado apoio ao governo. Recordemos, o próprio Paulo Henrique Amorim foi demitido da IG, já que nem o público endossa suas vigarices.

Entretanto, o procurador Carlos Eduardo se entrega, quando demonstra o cacoete mental típico de um petista. Afirmar que a Globo é monopólica é demonstrar uma completa ignorância do que seja o sentido da palavra “monopólio”, salvo nos clichês típicos da esquerda. O mesmo princípio se aplica ao chavão mais adiante: “Diogo Mainardi por fazer parte dos poderosos conglomerados de comunicação (Globo e Ed. Abril) não está imune ao Direito Penal”. Quer coisa mais comunista do que esse discurso? Quer coisa mais piegas, mais grotesca, mais parecida com o colegial de DCE acadêmico, do que uma pantomima ideológica como essa travestida em um relatório de uma sentença? Há uma certa dose de elogio em causa própria, como se o "grande conglomerado" da imprensa fosse mais poderoso do que o Estado, como se o próprio Procurador fosse um David lutando contra Golias.

Os impropérios grosseiros de Mino Carta sobre o filho deficiente de Mainardi devem ser um saudável jornalismo ao Sr. Procurador. O contrário, ou seja, a verdade sobre a corrupção moral dos jornalistas pagos por Brasília (entre os quais, Mino Carta), é uma “ofensa à honra” de alguém. O Dr. Carlos Eduardo de Athayde Buono tem futuro no país governado por senhoritos arrogantes. O acórdão que condenou Mainardi é uma senhora defecada de regras sem a menor disposição com a realidade. No final das contas, o charlatão Paulo Henrique Amorim pode mentir á vontade a peso de soldo de Brasília, pois a justiça endossa o seu jornalismo vendido.

Os senhoritos arrogantes passaram anos estudando direito, quando na verdade, não estudam absolutamente nenhuma outra coisa. Fazem sentenças ideológicas, por falta de conteúdo intelectual mais apurado, para cobrir a carência das idéias genuínas. Ser ativista nos tribunais dá status. Neste vazio, há os senhoritos arrogantes que acham que pensam alguma coisa. Um amigo meu do Rio Grande do Sul me avisa qual a obra a ser estudada para o seu curso de Direito: “As motivações ideológicas da sentença”, do desembargador amigão das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Rui Portanova. Se não bastasse isso, outro amigo, lá dos confins do Paraná, me conta a estripulia de uma turma de Procuradores de Justiça que odeiam os empresários, porque estes são malvados por natureza e “exploram” os trabalhadores.

As pessoas não são mais julgadas pelos atos, porém, pelas suas idéias, pelos seus papéis sociais. E os burocratas, fabricados pelas faculdades, tornaram-se os justiceiros do mundo, tomando postos do governo para intervir, lapidar e oprimir, cada vez mais, a sociedade privada e nossas relações particulares. São estes que querem controlar nossa fala, nossos pensamentos, nossas manifestações, em nome da legalidade e da ordem, em nome de uma cartilha politicamente correta estéril e idiotizante. Querem controlar, inclusive, a internet, presumindo que todos os usuários são pedófilos e racistas, até que se prove o contrário. Enquanto isso, eles aderem falaciosamente à ideologia totalitária que domina o governo de Brasília, tais como cachorrinhos amestrados de guarda. Há os oportunistas, os fanáticos e os idiotas úteis nessa história. Ninguém do Ministério Público, do Judiciário ou mesmo da OAB moveu uma palha contra o governo mais cínico, corrupto e imoral da história do Brasil. Quase todos eles pensam em carguinhos, em mesquinharias úteis, em ascensão na burocracia estatal, tal como um burocrata da nomenclatura soviética. Não seria de espantar que, se o Brasil caminhasse para uma ditadura (como de fato está caminhando), haveria uma ordem inumerável de alcagüetes e colaboradores desse sistema totalitarista. Muita gente está pronta para abdicar das liberdades fundamentais em nome do Estado voluntarioso e benévolo. A banalização do mal começa pela indiferença moral burocrática. É a rebelião do homem-massa no Brasil.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O valor da vida humana

Diante de uma abordagem tão viciada, é compreensível a irritação do conhecido intelectual italiano Norberto Bobbio. Sem estar vinculado a qualquer credo, recebeu duras críticas por defender o direito incondicional à vida desde a concepção: “Pergunto-me o que há de surpreendente no fato de que um não-crente considere válido, em sentido absoluto, como um imperativo categórico, o ‘não matarás’. Para mim, é assombroso que os não-crentes deixem para os crentes o privilégio e a honra de afirmar que não se deve matar”.

Como sublinhou o filósofo espanhol Julián Marías, o ponto central é a “distinção decisiva entre coisa e pessoa”. Um exemplo da literatura pode ajudar a compreender a diferença. O escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, diante das atrocidades da guerra civil espanhola, escreveu as seguintes linhas: “A grandeza do homem não é feita apenas do destino da espécie: cada pessoa é um império. Quando a mina se desmoronou e se fechou sobre um único mineiro, a vida (ao redor da mina) parou... Talvez venham a morrer dez camaradas nos trabalhos de socorro... É que não se trata de salvar um cupim entre os cupins de um cupinzeiro, mas sim um império, cuja importância não é fácil medir.” Tal aritmética só é compreensível para quem compreende bem a “distinção decisiva entre coisa e pessoa”.

As tradições do Oriente e do Ocidente confluíram no tempo para aprofundar este conceito, que não é religioso (relembre-se o óbvio) e que está na base das nossas concepções de democracia. Uma coisa vale pela sua utilidade ou conveniência. Uma pessoa vale por si mesma: não depende do amor alheio ou do reconhecimento do Estado, embora, justamente por ser uma pessoa, mereça ser amada pelos demais e respeitada pelo Estado.

Que tem isso a ver com o aborto? Como discutimos no editorial de ontem, “o embrião é já um novo homem desde a fecundação”. Deve, portanto, gozar dos mesmos direitos que seus semelhantes, pois “a dignidade é intrínseca a toda e qualquer vida humana”.

Há quem aceite a condição humana do feto, mas negue a sua dignidade intrínseca, subordinando-a a diferentes valores. Tal atitude costuma ser associada a um progressismo que, analisado mais de perto, pode ser considerado um exemplo paradigmático de pensamento reacionário, pois nos levaria de volta à pré-história.

De qualquer forma, convém analisar os argumentos de quem acredita que a vida humana não pode ser relativizada.

Com freqüência afirma-se a licitude do aborto quando se julga que aquele que vai nascer será excepcional, física ou psiquicamente. Permitir o desenvolvimento normal do feto seria uma crueldade com a família, com a própria criança e – por que esconder? – com os cofres públicos.

A melhor resposta é um convite para freqüentar as inúmeras instituições que cuidam de cegos, surdos, paralíticos ou deficientes mentais. Paradoxalmente, conviver com uma criança excepcional é uma ótima cura para a perspectiva egoísta que está na raiz desta posição e que relega ao esquecimento a idéia-chave de nossa civilização, de que cada ser humano é um “império”.

De qualquer forma, é sempre bom dar nome aos bois. A proposta de eliminar “anormais” chama-se eugenia prática. Já foi aplicada em larga escala no século XX. Muito em voga na Alemanha hitlerista.

Resta ainda o argumento de quem defende o aborto como “proteção psicológica” para a mãe. “Se a mãe não deseja o filho, deve abortá-lo.” Isto evitaria mulheres infelizes e crianças rejeitadas. Mais uma vez, é preciso esquecer que aquela criatura não é algo, mas, como dizia Julián Marías, “é alguém. Não um que, mas um quem, alguém a quem se diz tu, que dirá, no momento certo, dentro de algum tempo, eu... um eu que se enfrenta com todo o universo, contrapõe-se polarmente a tudo que não é ele, a tudo o mais.” Qualquer agressão a esta individualidade merece ser chamada "interrupção da gravidez” tanto quanto uma condenação à forca merece ser chamada “interrupção da respiração”. Aqui não valem os eufemismos. É um assassinato puro e simples (e é lamentável que haja quem confunda os legítimos direitos reprodutivos da mulher com um pretenso direito ao aborto).

Toda época carrega a mancha de um crime contra a humanidade. Hoje, envergonhamo-nos da escravidão e da tortura judicial. Mas se o aborto for legalizado no Brasil, não fugiremos à regra. Daremos às futuras gerações um bom motivo para lamentar nosso tempo.

Publicado na Gazeta do Povo - 17/04/2007

Um olhar triste

por Klauber Pires



Três fatos ocorridos nos últimos 5 e 7 de setembro (dia dos desfiles pela semana da pátria) remeteram-me, curiosamente, a uma famosa fotografia no tempo da Segunda Guerra Mundial: a de um cidadão parisiense, aparentando estar nos seus cinqüenta, a chorar perante o desfile das tropas nazistas invasoras. (esta foto está sendo exibida no meu blog). Foi uma imagem que espontaneamente aflorou-se-me à mente justamente quando eu estendia um olhar triste para o horizonte, tentando encontrar explicações ou alguma solução para os eventos deploráveis que marcaram as comemorações pela independência do Brasil.

Eis o primeiro acontecimento: as escolas de Belém desfilaram com uma bandeira cujo pavilhão era composto pelo logotipo do atual governo do estado do Pará! Tudo bem, eu sei que a ficha do leitor ainda não deve ter caído, então vou explicar de novo! As escolas paraenses, além das bandeiras do Brasil e do ESTADO do Pará, ombrearam também, ao lado destas, a bandeira que continha o LOGOTIPO POLÍTICO do atual governo do PT, da governadora Ana Júlia Carepa!

Na escola em que a minha filha desfilou, tal infâmia só foi evitada porque houve uma mãe diligente que impediu resolutamente que seu filho servisse de massa de manobra política. Até o momento, sobre isto nada vi nos jornais. Espero que o TSE e o Ministério Público tomem alguma medida, que é gravíssima, mas, sinceramente, duvido que isto ocorra: afinal, estão por demais ocupados a bisbilhotar o Orkut e blogs alheios!

Salvo, olhá lá, salvo notório engano, tenho que estes logos representam, por si só, uma ilegalidade, dado que é vedado aos agentes públicos fazerem propaganda pessoal ou partidária. Porém, por meio de um artifício, isto é, por uma brecha na interpretação da lei, diferentes governos estaduais e municipais os criam para se distinguir politicamente e assim identificar os seus feitos, fazendo uso de referências estéticas às respectivas bandeiras e escudos dos seus estados ou municípios. No caso do logo do atual governo do estado do Pará, este símbolo compõe-se de triângulos que lembram barcos a vela, tendo como slogan, logo abaixo, a espressão “Governo Popular”.

O segundo ocorrido: os alunos da escola estadual Augusto Meira, em pleno desfile, tiraram o uniforme e exibiram o luto em frente ao palanque das autoridades, em protesto por um estudante assassinado na porta daquele colégio alguns dias antes. Não, mas espere mais: logo ao fim dos desfiles, estudantes de três escolas estaduais, a Visconde de Souza Franco, a Dom Pedro II e a Lauro Sodré protagonizaram um apocalíptico estado da arte da selvageria, envolvendo-se em uma briga campal, para pavor dos demais cidadãos, e isto não obstante a presença de um expressivo aparato policial.

Enfim, o último dos acontecimentos, o tiro de misericórdia, foi o tal do grito dos excluídos, que, pela sua assiduidade, dispensa comentários.

Que, pois, dizer, diante de tão dantesco cenário? Que esperança depositar na ordem, nas instituições e na nação em que vivemos? Que esperança atribuir ao Brasil? Diante de tanta insistência em politizar tudo, o civismo sucumbiu. A conspurcação já havia começado quando inventaram de comemorar uma porcaria de coisa que ninguém sabe o que é e que leva o nome de “dia da raça” (não, não vou escrever isto com maiúsculas!), pois na minha infância e juventude sempre desfilei pela pátria, e só por ela.

Ao invés de ensinarem às crianças a amar o seu país, a ter a união dos que moram aqui como a coisa mais importante, acima de quaisquer diferenças transitórias, os professores marxistas incutiram e incutiram e incutiram em suas cabeças que o dia da nação era uma farsa, que o Brasil não era um país independente, mas colonizado pelos impérios dos países desenvlvidos e toda aquela conversa fiada e ridícula. Eis, pois, o que eles têm por independência! Eis o que têm por civilidade! Eis o seu conceito de cidadania!

Velhacaria total! Autoridades que não se dão ao respeito! Professores que não se dão ao respeito! Alunos que não se dão ao respeito! Acabou tudo! Anomia total! Pois, que se regozijem com seu espetáculo de horrores! Eu e minha família não participaremos de mais nenhum 5 ou 7 de setembro!

A Filosofia da Liberdade

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Já valeu

no Reality is out there

Só mesmo uma republicana na chapa do McCain para fazer progressistas acharem que uma gravidez na adolescência e antes do casamento é algo reprovável!

Daqui a pouco vão dizer que ela não é apta a ser vice-presidente por ser mulher!

Eu juro que fico constrangido pelos eleitores e simpatizantes dos Democratas. A mídia mainstream não hesita, por um segundo sequer, em apostar na estupidez deles.

Sobre o socialismo


detalhe da capa de publicação socialista francesa

por Alexis de Tocqueville
via Ordem Livre


***

O texto a seguir reproduz o discurso de Alexis de Tocqueville na Assembléia Constituinte francesa em 12 de setembro de 1848. Os socialistas da época defendiam o direito ao trabalho, e que o governo deveria implementar políticas que criassem empregos assalariados para todos. Apesar de parecer lugar comum para os nossos dias, as idéias socialistas eram novidade na França de Tocqueville, e foram denunciadas por ele por ser contrárias aos ideais democráticos da república francesa. Mesmo prematura, a crítica de Tocqueville atinge o alvo dos problemas morais e políticos do socialismo.

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Nada poderemos ganhar ao não discutir questões que põem em dúvida as raízes de nossa sociedade, questões essas que, mais cedo ou mais tarde, deverão ser enfrentadas. No fundo do projeto que está em discussão, talvez sem o conhecimento de seu autor – mas eu a percebo claramente – , está a questão do socialismo. [Longa excitação – murmúrios da esquerda.]

Sim, cavalheiros, mais cedo ou mais tarde, a questão do socialismo, que todos parecem temer e que ninguém até agora ousou debater, deverá ser discutida, e essa assembléia deverá decidi-la. Somos obrigados a esclarecer essa questão, que pesa sobre o peito da França. Confesso ser esse o meu principal motivo para subir à tribuna hoje: que a questão do socialismo seja finalmente resolvida. Eu preciso saber, a Assembléia nacional precisa saber, toda a França precisa saber – a Revolução de Fevereiro é uma revolução socialista ou não? [“Excelente!”]

Não é minha intenção analisar aqui os diferentes sistemas que possam ser classificados como socialistas. Apenas quero tentar revelar características comuns a todos eles e verificar se podemos dizer que a Revolução de Fevereiro as apresentou.

A primeira característica de todas as ideologias socialistas, creio eu, é um apelo vigoroso, extremo, às todas as paixões materiais dos homens. [Sinais de aprovação.]

Assim, alguns disseram: “Vamos reabilitar o corpo”; outros, que “o trabalho, mesmo os mais pesados, não deve ser apenas útil, mas prazeroso”; outros dizem que “os homens devem ser pagos não de acordo com seu mérito, mas de acordo com sua necessidade”; por fim, disseram aqui que o objetivo da Revolução de Fevereiro, do socialismo, seria proporcionar riquezas infinitas para todos.

Uma segunda característica, sempre presente, é um ataque, direto ou indireto, ao princípio da propriedade privada. Desde o primeiro socialista que disse, há 50 anos, que “a propriedade é a origem de todos os males do mundo”, ao socialista que falou dessa tribuna e que, menos generoso que o primeiro, passando da propriedade para seu proprietário, exclamou que “propriedade é roubo,” todos os socialistas, insisto, todos, atacam, direta ou indiretamente, a propriedade privada. [”É verdade, é verdade.”] Não pretendo afirmar que todos que o fazem agem da forma franca e brutal que um de nossos colegas adotou. Mas digo que todos os socialistas, por meios mais ou menos diretos, se não destroem o princípio sobre o qual ela se baseia, transformam-no, diminuem-no, obstruem-no, limitam-no e moldam-no como algo completamente estranho ao que nós conhecemos e com que nos familiarizamos, desde o começo dos tempos, como propriedade privada. [Sinais de concordância.]

Agora, a terceira e final característica, a qual, aos meus olhos, melhor descreve os socialistas de todas as escolas e nuances, é a profunda oposição à liberdade individual e o desprezo à liberdade de pensamento, ou seja, um total desrespeito ao indivíduo. Eles incessantemente tentam mutilar, restringir, obstruir a liberdade individual de toda e qualquer maneira. Afirmam que o Estado não deve agir apenas como diretor da sociedade, mas ser o mestre de cada homem, e não apenas o mestre, mas o guardião e instrutor. [“Excelente.”] Por medo de permitir ao homem que erre, o Estado deve se colocar para sempre a seu lado, acima dele e em torno dele, para melhor guiá-lo e preservá-lo, ou seja, para confiná-lo. Na verdade, eles clamam pelo confisco da liberdade humana, em graus maiores ou menores, [Mais sinais de aprovação.], de forma que, se eu estivesse tentando resumir o que é o socialismo, diria que ele é simplesmente um novo sistema de servidão. [Grande aprovação.]

Não entrarei na discussão dos detalhes desses sistemas. Apenas indiquei o que é o socialismo, apontando suas características universais. Elas são suficientes para permitir sua compreensão. Em qualquer lugar que você encontrar essas características, certamente encontrará o socialismo, e onde quer que o socialismo esteja, essas características são encontradas.

Cavalheiros, será que o socialismo, como tantos disseram, é a continuação, a conclusão legítima, o aperfeiçoamento da Revolução Francesa? Será que ele é, como fingem alguns, o desenvolvimento natural da democracia? Não, ele não é um nem outro. Lembrem-se da Revolução! Reexaminem as impressionantes e gloriosas origens da nossa história moderna. Como insistia ontem um orador, foi através do apelo às necessidades materiais do homem que a Revolução Francesa realizou aqueles grandes atos que maravilhou todo o mundo? Vocês acreditam que a Revolução falava de salários, de bem estar, de riquezas ilimitadas, de satisfação das necessidades materiais?

Cidadão Mathieu: Eu não disse nada desse tipo.

Cidadão de Tocqueville: Você acredita que, ao falar dessas coisas, toda uma geração de homens se levantaria para lutar por elas nas fronteiras, se exporia aos riscos da guerra, enfrentariam a morte? Não, cavalheiros. A Revolução realizou aquilo tudo por falar sobre coisas grandiosas, sobre o amor a um país, sobre honrar a França, por falar de virtude, generosidade, abnegação, glória. Estejam certos, cavalheiros, que apenas através do apelo aos sentimentos mais nobres que se pode alcançar as alturas mais elevadas. [“Excelente, excelente.”]

E em relação à propriedade, cavalheiros: é verdade que a Revolução Francesa resultou em uma guerra dura e cruel contra alguns proprietários. Porém, em relação ao princípio da propriedade privada, a Revolução sempre o respeitou. Ela o colocou no topo da lista em suas constituições. Nenhum povo tratou esse princípio com maior respeito. Ele estava gravado na fachada de suas leis.

A Revolução Francesa fez ainda mais. Não apenas consagrou a propriedade privada, ela a universalizou. A Revolução viu um número ainda maior de pessoas terem acesso à propriedade. [Exclamações variadas. “Exatamente o que queremos!”]

É graças a isso, cavalheiros, que hoje não precisamos temer as conseqüências fatais das idéias socialistas que estão espalhadas por todo o país. É porque a Revolução Francesa povoou o território francês com dez milhões de proprietários que nós podemos, sem perigo, permitir que essas doutrinas apareçam entre nós. Elas podem, sem dúvida, destruir a sociedade, mas graças à Revolução Francesa, elas não prevalecerão e não nos causarão danos. [“Excelente.”]

E finalmente, cavalheiros, a liberdade. Há uma coisa que me choca mais do que qualquer outra. É que o Antigo Regime, que sem dúvida diferia em muitos aspectos do sistema de governo que os socialistas reivindicam (e precisamos compreender isso), estava, em sua filosofia política, muito mais próximo do socialismo do que se pensa. Muito mais próximo do que estamos hoje. Na verdade, o Antigo Regime assegurava que somente o Estado era sábio e que os cidadãos são seres fracos e debilitados que devem ser eternamente guiados pela mão para que não se machuquem. Afirmava que era necessário obstruir, conter e restringir a liberdade individual; que, para assegurar a abundância dos bens materiais, era imperativo organizar a indústria e impedir a livre competição. Sob esse aspecto, o Antigo Regime propunha as mesmas coisas que os socialistas de hoje. Foi a Revolução Francesa que negou isso.

Cavalheiros, o que foi isso que quebrou as correntes que, de todos os lados, impediam a livre movimentação dos homens, dos bens e das idéias? O que restabeleceu a individualidade do homem, que é a sua verdadeira grandeza? A Revolução Francesa! [Aprovação e clamor] Foi a Revolução Francesa que aboliu todos esses obstáculos, que arrebentou as correntes que vocês trariam de volta sob um novo nome. E não foram apenas os membros dessa assembléia imortal – a Assembléia Constituinte, a assembléia que fundou a liberdade, não apenas na França, mas em todo o mundo – que rejeitaram as idéias do Antigo Regime. Foram os homens eminentes de todas as assembléias que a seguiram!

E após essa grande revolução, o resultado será aquela sociedade que os socialistas nos oferecem, uma sociedade formal, organizada, fechada, onde o Estado é responsável por tudo, onde o indivíduo não conta, onde a comunidade acumula todo o poder, toda a vida, onde o fim designado para um homem é apenas o seu bem estar material – essa sociedade em que o próprio ar sufoca e em que a luz mal consegue penetrar? Foi para essa sociedade de trabalhadores incansáveis, antes animais capacitados do que homens livres e civilizados, que a Revolução Francesa aconteceu? Foi por isso que tantos homens morreram no campo de batalha, na forca, que tanto sangue nobre molhou a terra? Foi por isso que tantas paixões foram inflamadas, que tanta inteligência, tanta virtude andou por essa terra?

Não! Eu juro pelos homens que morreram por essa grande causa! Não foi por isso que morreram. Foi por algo muito maior, mais sagrado, que merecia mais dedicação, deles e da humanidade. [“Excelente.”] Se ela aconteceu apenas para criarmos um sistema como esse, a Revolução foi um desperdício terrível. Um Antigo Regime aperfeiçoado teria servido adequadamente. [Clamor prolongado.]

Mencionei agora há pouco que o socialismo fingia ser a continuação legítima da democracia. Não pesquisei pessoalmente, como alguns de meus colegas fizeram, pela etimologia real dessa palavra, a democracia. Não vou revirar o jardim das raízes gregas, como foi feito ontem, para procurar a origem dessa palavra. [Risos.] Procuro pela democracia onde eu a vi, viva, ativa, triunfante, no único país da terra onde ela existe e no único lugar onde ela possivelmente poderia ter-se estabelecido com estabilidade no mundo moderno – na América. [Sussurros.]

Lá se encontra uma sociedade na qual as condições sociais são ainda mais iguais do que entre nós; em que a ordem social, os costumes, as leis, são todas democráticas; onde todos os tipos de pessoas entraram e onde cada indivíduo ainda possui uma completa independência, mais liberdade do que se tem notícia em qualquer outro lugar ou tempo; um país essencialmente democrático, as únicas repúblicas completamente democráticas que o mundo já conheceu. E nessas repúblicas procurar-se-á em vão o socialismo. Não apenas as teorias socialistas não cativaram a opinião pública, como possuem um papel tão insignificante na vida intelectual e política dessa grande nação que não se poderia nem ao menos dizer que as pessoas as temem.

Os Estados Unidos são, hoje, o único país no mundo onde a democracia é completamente soberana. Além disso, é o país onde as idéias socialistas, as quais os senhores presumem estar de acordo com a democracia, tiveram menor influência, o país onde aqueles que apóiam as causas socialistas estão, por certo, um uma posição de desvantagem. Eu, pessoalmente, não acharia inconveniente, se fossem para lá propagar sua filosofia, mas para seu próprio bem, eu não os aconselharia. [Risos]

Um deputado: As mercadorias deles estão sendo vendidas agora.

Cidadão de Tocqueville: Não, cavalheiro. A democracia e o socialismo não são conceitos interdependentes. Eles não são apenas diferentes, mas filosofias opostas. É compatível com a democracia instituir um governo intrometido, superabrangente e restritivo, desde que ele tenha sido escolhido pela população e aja em nome do povo? Será que o resultado não seria a tirania, sob o disfarce de um governo legítimo que, ao se apropriar dessa legitimidade asseguraria para si o poder e a onipotência que de outra forma lhe faltaria? A democracia expande a esfera da independência pessoal; o socialismo a confina. A democracia valoriza o que o homem tem de melhor; o socialismo faz de cada homem um agente, um instrumento, um número. A democracia e o socialismo só possuem uma coisa em comum – a igualdade. Mas percebam bem a diferença. A democracia visa a igualdade através da liberdade. O socialismo busca a igualdade pela força e a servidão. [ “Excelente, excelente.”]

Dessa forma, a Revolução de Fevereiro não deve ser “social”, e se é exatamente isso que ela não deve ser, devemos ter a coragem de dizê-lo. Se ela não deve ser isso, devemos ter energia para proclamar em voz alta que ela não deveria sê-lo, como faço agora. Quando alguém se opõe aos fins, deve se opor aos meios pelos quais se chega a esses fins. Quando alguém não possui nenhum desejo em relação ao fim, não deve entrar pelo caminho que levará até ele. O que foi proposto hoje foi a nossa entrada nesse caminho.

Não deveremos seguir aquela filosofia política que Baboeuf abraçou com tanto entusiasmo [gritos de aprovação] – Baboeuf, o avô de todos os socialistas modernos. Não devemos cair na armadinha que ele indicou, ou melhor, sugeriu, através de seu pupilo e biógrafo Buonarotti. Ouça às palavras de Buonarotti. Elas merecem atenção, mesmo depois de cinqüenta anos.

Um deputado: Não há babovistas aqui.

Cidadão de Tocqueville: “A abolição da propriedade individual e o estabelecimento da Grande Economia Nacional era o objetivo final de seus [de Baboeuf] trabalhos. Mas ele compreendeu bem que tal ordem não poderia ser estabelecida imediatamente após a vitória. Ele acreditava que seria essencial que o Estado agisse de tal forma que todas as pessoas aboliriam a propriedade privada através da realização de suas próprias necessidades e interesses.” Aqui estão os principais métodos que ele concebeu para realizar seu sonho. (Veja bem, ele é seu próprio panegirista, estou apenas citando.) “Para estabelecer, através das leis, uma ordem pública na qual os proprietários, provisoriamente autorizados a manter seus bens, descobririam que não possuiriam riquezas, nem o direito de dispor de seus bens ou receber por eles, em que, forçados a gastar uma grande parte de sua renda em investimentos ou impostos, esmagados sob o peso da tributação progressiva, afastados das questões públicas, privados de qualquer influência, formando, dentro do Estado, nada além de uma classe de estranhos suspeitos, seriam forçados a deixar o país, abandonar os seus bens ou limitar-se a aceitar o estabelecimento da Economia Universal.”

Um deputado: Nós já estamos nesse ponto!

Uma voz da esquerda: Sim! [ “Não! Não!” (interrupção)]

Cidadão de Tocqueville: Aqui está, senhores, o programa de Baboeuf. Espero sinceramente que esse não seja o programa da República de Fevereiro. Não, a República de Fevereiro deve ser democrática e não socialista.

Uma voz da esquerda: Sim! [ “Não! Não!” (interrupção)]

Cidadão de Tocqueville: E se não for socialista, o que ela deverá ser?

Um deputado da esquerda: Monarquista!

Cidadão de Tocqueville (se virando para a esquerda): Ela poderá ser, talvez, se o Sr. deixar que isso aconteça, [ grande aprovação], mas ela não será.

Se a Revolução de Fevereiro não é socialista, o que, então, ela é? Será ela, como muitas pessoas dizem e acreditam, um mero acidente? Será que ela não necessariamente acarreta uma mudança completa no governo e nas leis? Eu acho que não.

Quando discursei em janeiro na Câmara dos Deputados, na presença da maioria dos delegados, que murmuravam em suas mesas, embora por diferentes razões, da mesma forma que vocês murmuravam agora a pouco – [ “Excelente, excelente”]

(O orador se vira à esquerda)

– eu lhes disse: cuidem-se. A Revolução está no ar. Será que vocês não conseguem senti-la? A Revolução se aproxima. Será que vocês não conseguem vê-la? Estamos sentados sobre um vulcão. Ficará registrado que eu disse isso. E por quê? – [Interrupção vinda da esquerda.]

Será que eu tive a fraqueza mental de supor que a revolução se aproximava porque esse ou aquele homem estava no poder, ou porque esse ou aquele acontecimento provocaram a raiva política da nação? Não, cavalheiros. O que me fez acreditar que a revolução se aproximava, o que realmente produziu a revolução, foi isso: eu vi a negação básica dos princípios mais básicos que a Revolução Francesa espalhou pelo mundo. O poder, a influência, as honras, e por que não, a própria vida, estavam sendo confinados dentro dos limites estreitos de uma só classe, como nenhum outro país do mundo antes fizera.

Foi isso que me fez acreditar que a revolução estava à nossa porta. Eu vi o que aconteceria a essa classe privilegiada, o que sempre acontece quando existem aristocracias pequenas e exclusivas. O papel de estadista não existia mais. A corrupção crescia a cada dia. A intriga tomou o lugar da virtude pública e tudo se deteriorou.

Como a classe mais alta.

E entre as classes mais baixas, o que estava acontecendo? Cada vez mais se libertando, tanto intelectual quanto emocionalmente, daqueles cuja função era liderá-los, o povo em sua maioria se encontrou naturalmente inclinado em direção àqueles que lhes eram amigáveis, entre os quais estavam demagogos perigosos e utopistas inúteis daquele tipo com o qual temos nos ocupado aqui.

Por eu ter visto essas duas classes, uma pequena, outra numerosa, separando-se pouco a pouco uma da outra – uma imprudente, insensível e egoísta, outra cheia de inveja, resistência e raiva, por eu ter visto essas duas classes isoladas e avançando em direções opostas, eu disse – e tinha razões para isso – que a revolução estava levantando a sua cabeça e logo estaria sobre nós. [ “Excelente!”]

Era para estabelecer algo parecido com isso que a Revolução de Fevereiro aconteceu? Não, cavalheiros. Recuso-me a acreditar nisso. Tanto quanto qualquer um de vocês, acredito no contrário. Desejo o oposto, não apenas pelos interesses da liberdade, mas também pela segurança pública.

Eu admito que não trabalhei pela Revolução de Fevereiro, porém, tendo ela ocorrido, desejo que ela seja uma revolução séria e comprometida, porque desejo que seja a última. Sei que apenas revoluções dedicadas perduram. Uma revolução que não defende nada, que, contaminada com a esterilidade desde seu nascimento, que destrói sem construir, não faz nada além de dar à luz novas revoluções. [Aprovações.]

Assim, desejo que a Revolução de Fevereiro tenha um significado, claro, preciso e grande o suficiente para que todos vejam.

E qual é esse significado? Em resumo, a Revolução de Fevereiro deve ser uma continuação real, uma execução sincera e honesta daquilo que a Revolução Francesa defendia, deve ser a atualização daquilo que nossos pais ousaram sonhar. [ Grande concordância.]

Cidadão Ledru-Rollin: Peço permissão para falar.

Cidadão de Tocqueville: É isso que a Revolução de Fevereiro deve ser, nem mais nem menos. A Revolução Francesa defendia a idéia que, na ordem social, não deve haver classes. Ela nunca incentivou a divisão dos cidadãos em proprietários e proletários. Não se encontrará essas palavras, carregadas de ódio e guerra, em nenhum dos grandes documentos da Revolução Francesa. Pelo contrário, ela foi baseada na filosofia de que, politicamente, não devem existir classes; a Restauração, a Monarquia de Julho, defendiam o oposto. Devemos permanecer com nossos pais.

A Revolução Francesa, como já disse, não possuía a pretensão absurda de criar uma ordem social que colocava nas mãos do Estado o controle sobre o destino, o bem estar, a afluência de cada cidadão, que substituía a altamente questionável “inteligência” do Estado pela inteligência prática e útil dos governados. Ela acreditava que essa tarefa era grande o suficiente para garantir a cada cidadão esclarecimento e liberdade. [“Excelente”.]

A Revolução teve essa crença firme, nobre, orgulhosa, de que vocês parecem carecer, que é suficiente para homens corajosos e honestos ter essas duas coisas, esclarecimento e liberdade, e para não pedir nada mais daqueles que o governam.

A Revolução foi baseada nessa crença. Ela não determinava tempo ou meios de viabilizá-la. É nosso dever permanecermos com ela e, dessa vez, cuidar para que ela se realize.

Por fim, a Revolução Francesa desejava – e foi isso que a fez não apenas ser beatificada, mas santificada aos olhos da população – introduzir a caridade na política. Ela concebeu a noção de dever em relação aos pobres, aos que sofrem, algo mais extenso, mais universal do que qualquer coisa já implementada. É essa idéia que deve ser recapturada, não, repito, trocando a inteligência individual pela do Estado, mas agindo para ajudar aqueles que têm necessitades, aqueles que, após ter esgotado seus recursos, seriam jogados à miséria caso não lhes fosse oferecido auxílio, através de meios que o Estado já possui à sua disposição.

Essencialmente, é isso que a Revolução Francesa buscava, e é o que nós devemos fazer.

Então, eu pergunto?

Será que isso é socialismo?

Grito da esquerda: Sim! Sim, o socialismo é exatamente isso.

Cidadão de Tocqueville: De forma alguma!

Não, isso não é socialismo, mas cristianismo aplicado à política. E não há nada que...

(Interrupção...)

Cidadão Presidente: Você não pode ser ouvido. É obvio que você não possui a mesma opinião. Você terá a sua chance de falar da tribuna, mas não interrompa.

Cidadão de Tocqueville: Não há nada que dê aos trabalhadores o direito de fazer reivindicações ao Estado. Não há nada na Revolução que force o Estado a colocar-se no lugar da do cuidado individual, no lugar do mercado, no lugar da integridade individual. Não há nada que autorize o Estado a interferir nas questões industriais ou a impor suas regras à indústria, a tiranizar o indivíduo para governá-lo melhor, ou, como se afirma audaciosamente, para salvá-lo de si mesmo. Não há nada além do cristianismo aplicado à política.

Sim, a Revolução de Fevereiro deve ser cristã e democrática, mas ela não deve ser, sob qualquer circunstância, socialista. Essas palavras resumem o que eu penso e encerro aqui o que eu tinha a dizer.

A escravidão "republicana" de Mangabeira Unger

por Diogo Costa no Ordem Livre

O Plano Estratégico de Defesa ainda não foi anunciado, mas se as declarações de Mangabeira Unger, ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, indicam qual o espírito por trás do plano, os adolescentes brasileiros podem começar a pensar em seus próprios planos estratégicos para se livrar do serviço militar.

Mangabeira Unger disse que “o serviço militar obrigatório deve ser mantido e aprofundado. Num país tão desigual como o nosso é um nivelador republicano. É um espaço no qual a nação pode se encontrar acima das classes. Todos nós queremos que as Forças Armadas do Brasil continuem a ser a própria nação em armas e não uma parte da nação, pagas pelas outras partes, para defendê-las”.

A declaração de Unger lembra a história contada por Milton Friedman sobre seu encontro com o General William Westmoreland, na época comandante americano no Vietnam. Ao tentar convencê-lo da desnecessidade de um alistamento compulsório, Friedman ouviu do general que ele não iria comandar um exército de mercenários. “Mas General”, Friedman respondeu, “você preferiria comandar um exército de escravos?”. “Eu não gosto que se refiram aos nossos alistados patrióticos como escravos”, disse o general. “E eu não gosto que se refiram aos nossos voluntários patrióticos como mercenários”, rebateu Friedman. E continuou, “se eles são mercenários, Sr., então eu sou um professor mercenário, e o Sr. é um general mercenário. Nós somos assistidos por médicos mercenários, usamos um advogado mercenário e compramos carne de um açougueiro mercenário”.

O impacto da comissão que Friedman representava foi positivo. Em 1973, poucos anos mais tarde, os Estados Unidos dariam fim ao alistamento militar obrigatório durante tempos de paz. Ninguém dirá que os EUA se tornaram militarmente fracos por causa do fim do alistamento. Na verdade, alguns até acreditam que o alistamento voluntário fortaleceu exageradamente o exército americano, a ponto de Unger não precisar mencionar o nome dos EUA para se fazer entender quando diz que as forças armadas brasileiras não devem “ajudar outra potência a policiar o mundo”.

É claro que tanto nos EUA quanto no Brasil os militares continuam sendo “uma parte da nação paga pelas outras partes”. Tanto oficiais quanto soldados obrigatoriamente alistados são pagos com o dinheiro dos nossos impostos. A diferença entre os dois países é a mesma que existe entre a carreira oficial e a categoria que Unger quer aprofundar: a diferença entre autonomia e servidão. O serviço militar obrigatório não pode ser considerado um espaço “acima das classes”, mas outra classe, da qual não se pode escapar.

“Serviço militar obrigatório” é apenas um nome decorativo para trabalho forçado. A expressão “nação em armas”, usada no discurso do ministro, era empregada por Napoleão Bonaparte para se referir à Grande armée francesa, o primeiro caso moderno de alistamento compulsório. E nem Napoleão nem a servidão militar podem ser tratados como bons exemplos de republicanismo. Para a teoria política contemporânea, republicanismo significa a participação ativa dos cidadãos determinando a coisa pública, e não sendo arbitrariamente determinados por ela. Em Republicanism, o cientista político francês Phillip Petit descreve o ideal republicano, explicando que “quando as pessoas falavam de liberdade e do valor da liberdade na tradição republicana, elas se voltavam para aquilo que nós descrevemos como não-dominação: a condição de viver na presença de outras pessoas, mas à mercê de ninguém”.

Unger não defende um ideal de liberdade republicana. Seu “princípio é o da subordinação das Forças Armadas ao poder civil” – poder que ele próprio representa – e a subordinação da cidadania às Forças Armadas. Se a manutenção e o aprofundamento do serviço militar nivelam os brasileiros não é em cidadania, mas em escravidão.