terça-feira, 26 de agosto de 2008

Maurren, Cielo, Giba

por Guilherme Fiúza

A filha pequena de Maurren Maggi falou com a medalhista de ouro ao telefone logo após a conquista. Disse-lhe que queria a prata. A filha pequena de Giba não falou com o medalhista de prata ao telefone. Chorou e desligou.

As Olimpíadas são um evento estranho. Por quem se torce ali? Pelo Brasil? O Brasil ganhou ou perdeu? Tecnicamente perdeu, com três medalhas de ouro e o 23º lugar, atrás da Etiópia.

Ganhou medalha de ouro em constrangimento, com as declarações do Comitê Olímpico Brasileiro. Segundo Carlos Arthur Nuzman, o país avançou em relação a Atenas porque importa o número total de medalhas, e não as de ouro (foram cinco na Grécia).

Descontada a hipocrisia, com as celebrações do tipo “ficamos à frente de Cuba” (aí volta a valer o número de ouros), ou “disputamos um maior número de finais”, o fato é que o Brasil ganhou. Ou melhor, os brasileiros ganharam.

Assim como inventaram que vôlei de praia é esporte olímpico, podem amanhã criar a modalidade cuspe em distância, e o país se encher de medalhas douradas. Também não vem ao caso essa ladainha recorrente sobre investimento público em esporte amador – daqui a pouco vão culpar o Lula pelo Diego Hipólito ter caído de bunda no chão.

O Brasil ganhou porque Maurren Maggi – a atleta, a mulher, a brasileira – é grande. Foi mandada para o inferno com rajadas de moralismo. Ia ficando na História como a saltadora dopada. Mas não ficou, porque não quis.

O Comitê Olímpico não tem nada a ver com a façanha dela. Maurren voltou aos 32 anos para ser a primeira brasileira a merecer uma medalha de ouro individual. Sem histrionismos, sem canastrice no hino nacional, sem declarar que ninguém ia ter que engoli-la. Um show de dignidade.

Giba também tivera que superar o cerco moralista para triunfar na Grécia. O maconheiro problemático conquistou o ouro olímpico sem se vingar de ninguém. Com o apoio do gigante Bernardinho, um general severo que sabe separar as coisas, consagrou-se como o melhor jogador de vôlei do mundo. Ninguém foi convocado a engoli-lo.

O Brasil também ganhou em Pequim no vôlei masculino. A máquina de vitórias comandada por Bernardinho e Giba soube ser destronada. Com elegância e união, sem histeria, sem desculpas esfarrapadas. Os caras, além de tudo, sabem perder. Mais um ouro em dignidade.

Cesar Cielo, completo desconhecido dos brasileiros, foi buscar seu ouro nos 50 metros livres. A prova de maior explosão da natação. Sorry, Phelps, mas o mais rápido do mundo é Cielo.

O furacão brasileiro chorou como um menino no pódio. Soluçava, narrando assim ao seu país sua história de sacrifícios, de solidão longe da família, de abnegação. Não era uma vitória do Comitê Olímpico Brasileiro, nem um case para o debate enfadonho sobre políticas públicas para o esporte.

O ouro é dele. E dos compatriotas que se emocionaram com ele.

Giba vai para casa tentar convencer a filha de que não a abandonou. Maurren tentará convencer a sua de que o ouro é melhor do que a prata. Cielo vai aplacar um pouco a saudade dos pais antes de mergulhar de novo na sua solidão.

Por mais que se queira florear o enredo, o Brasil olímpico é só isso. Até 2012.

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