terça-feira, 19 de agosto de 2008

O socialismo fazendo escola

por Diogo Costa no Ordem Livre

A matéria de capa da revista Veja dessa semana (20/08/2008) confirma algo que os leitores de OrdemLivre.org já devem ter experimentado pessoalmente, mas que surpreende a maioria das famílias brasileiras: nossas escolas estão mais próximas de serem quartéis de doutrinação do que templos de sabedoria.

A pesquisa CNT/Sensus divulgada na revista revela que para os estudantes brasileiros Che Guevara serve de exemplo magistral. Nenhum dos entrevistados o identificou como uma influência negativa. Pelo contrário, o legado do guerrilheiro argentino é visto como positivo por 86% dos estudantes entrevistados. E isso não é um problema de aprendizado. É um problema de ensino. Afinal, 78% dos professores acreditam que “formar cidadãos” deve ser a prioridade das escolas, contra apenas 8% que consideram sua principal missão “ensinar as matérias”. Para a maioria dos professores, o engajamento político é mais importante do que a educação para a compreensão da realidade.

Notem que rejeitar o capitalismo não precisa levar necessariamente à rejeição da educação. Um professor anticapitalista poderia ter respondido que seu objetivo é ensinar as coisas como elas são, desde que ele acredite que as coisas são como Marx, Lukács ou Adorno disseram que elas são. Da mesma forma que um liberal pode dizer que as coisas funcionam de acordo com o que ensinam as obras de Smith, Constant ou Hayek. O problema é que socialistas não se vêem como educadores, mas como agentes de transformação social.

E isso mostra uma diferença crucial entre a sociedade livre e o socialismo. Enquanto experimentos socialistas são legítimos em uma sociedade liberal, é impossível realizar experimentos liberais em uma sociedade socialista. Porque uma sociedade deixa de ser liberal se a lei proíbe a formação de comunidades alternativas, e uma sociedade deixa de ser socialista se a lei permite a prática de atividades econômicas consensuais. Da mesma forma, ativistas em sala de aula (de qualquer estirpe política) precisam contestar a diversidade que um verdadeiro educador valorizaria.

Para um professor que deseja educar, uma pergunta desafiadora vinda de um aluno é algo positivo. Mostra um intelecto curioso, estimulado pela matéria. Para o que quer transformar, as perguntas que fogem de sua ortodoxia devem ser combatidas. São sinais de resistência à transformação. O material de trabalho de um engenheiro social precisa ser passível de moldagem. Se, para um professor honesto, as críticas funcionam como um mecanismo de verificação de seus próprios argumentos e crenças, podendo invalidá-los ou confirmá-los, para o agente transformador, os críticos são inimigos do futuro socialista. Não se deve examinar o que dizem, mas como combatê-los. O objeto da educação deixa de ser a verdade a ser comunicada, e passa a ser a ideologia a ser praticada.

Uma reforma da educação brasileira passa, como a matéria indica, por um maior envolvimento dos pais com a educação dos filhos. Mas há também um fator inerente às diretrizes políticas da educação. Logo no início da matéria, um trecho exemplifica o que quero dizer:

Em boa parte dos lares brasileiros, uma conversa em família flui com muito mais vigor e participação quando se decide a assinatura de novos canais a cabo, o destino das próximas férias ou a hora de trocar de carro do que quando se discute sobre o que exatamente o Júnior está aprendendo na escola.


Não se pode culpar exclusivamente as famílias brasileiras por essa negligência. É um problema em parte institucional da educação pública. Nós investimos nosso tempo para discutir sobre o carro, as férias ou a assinatura da TV a cabo porque sabemos que a nossa decisão nos afetará diretamente. Nesses casos, somos responsáveis pelos efeitos das nossas escolhas, e isso nos torna mais conscientes delas. Com o currículo escolar é diferente. Mesmo que os pais dediquem seu tempo para analisar minuciosamente o currículo dos filhos, a decisão sobre o conteúdo dos currículos não cabe diretamente aos pais. Cabe ao Ministério da Educação. A opinião dos pais sobre o que as escolas devem ensinar é praticamente desprezível.

Os pais têm algum poder, no entanto, sobrea eficácia do ensino, e isso muda de acordo com a escola. Por isso vemos as famílias gastarem tempo e dinheiro para escolher a melhor escola para seus filhos. A eficiência dos professores varia de escola para escola, enquanto o conteúdo a ser ensinado é praticamente o mesmo por todo o país. As famílias só terão incentivos para se dedicar a entender o que os filhos estão aprendendo quando a decisão sobre o conteúdo curricular couber exclusivamente a cada escola e não ao Ministério da Educação. Quando o pai socialista puder colocar o filho na escola socialista e o pai liberal na escola liberal, o conteúdo do ensino poderá ocupar as conversas dos lares brasileiros. A pluralidade e a descentralização do ensino sempre contribuem para a busca pela verdade.

Nenhum comentário: