terça-feira, 9 de setembro de 2008

A escravidão "republicana" de Mangabeira Unger

por Diogo Costa no Ordem Livre

O Plano Estratégico de Defesa ainda não foi anunciado, mas se as declarações de Mangabeira Unger, ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, indicam qual o espírito por trás do plano, os adolescentes brasileiros podem começar a pensar em seus próprios planos estratégicos para se livrar do serviço militar.

Mangabeira Unger disse que “o serviço militar obrigatório deve ser mantido e aprofundado. Num país tão desigual como o nosso é um nivelador republicano. É um espaço no qual a nação pode se encontrar acima das classes. Todos nós queremos que as Forças Armadas do Brasil continuem a ser a própria nação em armas e não uma parte da nação, pagas pelas outras partes, para defendê-las”.

A declaração de Unger lembra a história contada por Milton Friedman sobre seu encontro com o General William Westmoreland, na época comandante americano no Vietnam. Ao tentar convencê-lo da desnecessidade de um alistamento compulsório, Friedman ouviu do general que ele não iria comandar um exército de mercenários. “Mas General”, Friedman respondeu, “você preferiria comandar um exército de escravos?”. “Eu não gosto que se refiram aos nossos alistados patrióticos como escravos”, disse o general. “E eu não gosto que se refiram aos nossos voluntários patrióticos como mercenários”, rebateu Friedman. E continuou, “se eles são mercenários, Sr., então eu sou um professor mercenário, e o Sr. é um general mercenário. Nós somos assistidos por médicos mercenários, usamos um advogado mercenário e compramos carne de um açougueiro mercenário”.

O impacto da comissão que Friedman representava foi positivo. Em 1973, poucos anos mais tarde, os Estados Unidos dariam fim ao alistamento militar obrigatório durante tempos de paz. Ninguém dirá que os EUA se tornaram militarmente fracos por causa do fim do alistamento. Na verdade, alguns até acreditam que o alistamento voluntário fortaleceu exageradamente o exército americano, a ponto de Unger não precisar mencionar o nome dos EUA para se fazer entender quando diz que as forças armadas brasileiras não devem “ajudar outra potência a policiar o mundo”.

É claro que tanto nos EUA quanto no Brasil os militares continuam sendo “uma parte da nação paga pelas outras partes”. Tanto oficiais quanto soldados obrigatoriamente alistados são pagos com o dinheiro dos nossos impostos. A diferença entre os dois países é a mesma que existe entre a carreira oficial e a categoria que Unger quer aprofundar: a diferença entre autonomia e servidão. O serviço militar obrigatório não pode ser considerado um espaço “acima das classes”, mas outra classe, da qual não se pode escapar.

“Serviço militar obrigatório” é apenas um nome decorativo para trabalho forçado. A expressão “nação em armas”, usada no discurso do ministro, era empregada por Napoleão Bonaparte para se referir à Grande armée francesa, o primeiro caso moderno de alistamento compulsório. E nem Napoleão nem a servidão militar podem ser tratados como bons exemplos de republicanismo. Para a teoria política contemporânea, republicanismo significa a participação ativa dos cidadãos determinando a coisa pública, e não sendo arbitrariamente determinados por ela. Em Republicanism, o cientista político francês Phillip Petit descreve o ideal republicano, explicando que “quando as pessoas falavam de liberdade e do valor da liberdade na tradição republicana, elas se voltavam para aquilo que nós descrevemos como não-dominação: a condição de viver na presença de outras pessoas, mas à mercê de ninguém”.

Unger não defende um ideal de liberdade republicana. Seu “princípio é o da subordinação das Forças Armadas ao poder civil” – poder que ele próprio representa – e a subordinação da cidadania às Forças Armadas. Se a manutenção e o aprofundamento do serviço militar nivelam os brasileiros não é em cidadania, mas em escravidão.

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