terça-feira, 9 de setembro de 2008

Sobre o socialismo


detalhe da capa de publicação socialista francesa

por Alexis de Tocqueville
via Ordem Livre


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O texto a seguir reproduz o discurso de Alexis de Tocqueville na Assembléia Constituinte francesa em 12 de setembro de 1848. Os socialistas da época defendiam o direito ao trabalho, e que o governo deveria implementar políticas que criassem empregos assalariados para todos. Apesar de parecer lugar comum para os nossos dias, as idéias socialistas eram novidade na França de Tocqueville, e foram denunciadas por ele por ser contrárias aos ideais democráticos da república francesa. Mesmo prematura, a crítica de Tocqueville atinge o alvo dos problemas morais e políticos do socialismo.

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Nada poderemos ganhar ao não discutir questões que põem em dúvida as raízes de nossa sociedade, questões essas que, mais cedo ou mais tarde, deverão ser enfrentadas. No fundo do projeto que está em discussão, talvez sem o conhecimento de seu autor – mas eu a percebo claramente – , está a questão do socialismo. [Longa excitação – murmúrios da esquerda.]

Sim, cavalheiros, mais cedo ou mais tarde, a questão do socialismo, que todos parecem temer e que ninguém até agora ousou debater, deverá ser discutida, e essa assembléia deverá decidi-la. Somos obrigados a esclarecer essa questão, que pesa sobre o peito da França. Confesso ser esse o meu principal motivo para subir à tribuna hoje: que a questão do socialismo seja finalmente resolvida. Eu preciso saber, a Assembléia nacional precisa saber, toda a França precisa saber – a Revolução de Fevereiro é uma revolução socialista ou não? [“Excelente!”]

Não é minha intenção analisar aqui os diferentes sistemas que possam ser classificados como socialistas. Apenas quero tentar revelar características comuns a todos eles e verificar se podemos dizer que a Revolução de Fevereiro as apresentou.

A primeira característica de todas as ideologias socialistas, creio eu, é um apelo vigoroso, extremo, às todas as paixões materiais dos homens. [Sinais de aprovação.]

Assim, alguns disseram: “Vamos reabilitar o corpo”; outros, que “o trabalho, mesmo os mais pesados, não deve ser apenas útil, mas prazeroso”; outros dizem que “os homens devem ser pagos não de acordo com seu mérito, mas de acordo com sua necessidade”; por fim, disseram aqui que o objetivo da Revolução de Fevereiro, do socialismo, seria proporcionar riquezas infinitas para todos.

Uma segunda característica, sempre presente, é um ataque, direto ou indireto, ao princípio da propriedade privada. Desde o primeiro socialista que disse, há 50 anos, que “a propriedade é a origem de todos os males do mundo”, ao socialista que falou dessa tribuna e que, menos generoso que o primeiro, passando da propriedade para seu proprietário, exclamou que “propriedade é roubo,” todos os socialistas, insisto, todos, atacam, direta ou indiretamente, a propriedade privada. [”É verdade, é verdade.”] Não pretendo afirmar que todos que o fazem agem da forma franca e brutal que um de nossos colegas adotou. Mas digo que todos os socialistas, por meios mais ou menos diretos, se não destroem o princípio sobre o qual ela se baseia, transformam-no, diminuem-no, obstruem-no, limitam-no e moldam-no como algo completamente estranho ao que nós conhecemos e com que nos familiarizamos, desde o começo dos tempos, como propriedade privada. [Sinais de concordância.]

Agora, a terceira e final característica, a qual, aos meus olhos, melhor descreve os socialistas de todas as escolas e nuances, é a profunda oposição à liberdade individual e o desprezo à liberdade de pensamento, ou seja, um total desrespeito ao indivíduo. Eles incessantemente tentam mutilar, restringir, obstruir a liberdade individual de toda e qualquer maneira. Afirmam que o Estado não deve agir apenas como diretor da sociedade, mas ser o mestre de cada homem, e não apenas o mestre, mas o guardião e instrutor. [“Excelente.”] Por medo de permitir ao homem que erre, o Estado deve se colocar para sempre a seu lado, acima dele e em torno dele, para melhor guiá-lo e preservá-lo, ou seja, para confiná-lo. Na verdade, eles clamam pelo confisco da liberdade humana, em graus maiores ou menores, [Mais sinais de aprovação.], de forma que, se eu estivesse tentando resumir o que é o socialismo, diria que ele é simplesmente um novo sistema de servidão. [Grande aprovação.]

Não entrarei na discussão dos detalhes desses sistemas. Apenas indiquei o que é o socialismo, apontando suas características universais. Elas são suficientes para permitir sua compreensão. Em qualquer lugar que você encontrar essas características, certamente encontrará o socialismo, e onde quer que o socialismo esteja, essas características são encontradas.

Cavalheiros, será que o socialismo, como tantos disseram, é a continuação, a conclusão legítima, o aperfeiçoamento da Revolução Francesa? Será que ele é, como fingem alguns, o desenvolvimento natural da democracia? Não, ele não é um nem outro. Lembrem-se da Revolução! Reexaminem as impressionantes e gloriosas origens da nossa história moderna. Como insistia ontem um orador, foi através do apelo às necessidades materiais do homem que a Revolução Francesa realizou aqueles grandes atos que maravilhou todo o mundo? Vocês acreditam que a Revolução falava de salários, de bem estar, de riquezas ilimitadas, de satisfação das necessidades materiais?

Cidadão Mathieu: Eu não disse nada desse tipo.

Cidadão de Tocqueville: Você acredita que, ao falar dessas coisas, toda uma geração de homens se levantaria para lutar por elas nas fronteiras, se exporia aos riscos da guerra, enfrentariam a morte? Não, cavalheiros. A Revolução realizou aquilo tudo por falar sobre coisas grandiosas, sobre o amor a um país, sobre honrar a França, por falar de virtude, generosidade, abnegação, glória. Estejam certos, cavalheiros, que apenas através do apelo aos sentimentos mais nobres que se pode alcançar as alturas mais elevadas. [“Excelente, excelente.”]

E em relação à propriedade, cavalheiros: é verdade que a Revolução Francesa resultou em uma guerra dura e cruel contra alguns proprietários. Porém, em relação ao princípio da propriedade privada, a Revolução sempre o respeitou. Ela o colocou no topo da lista em suas constituições. Nenhum povo tratou esse princípio com maior respeito. Ele estava gravado na fachada de suas leis.

A Revolução Francesa fez ainda mais. Não apenas consagrou a propriedade privada, ela a universalizou. A Revolução viu um número ainda maior de pessoas terem acesso à propriedade. [Exclamações variadas. “Exatamente o que queremos!”]

É graças a isso, cavalheiros, que hoje não precisamos temer as conseqüências fatais das idéias socialistas que estão espalhadas por todo o país. É porque a Revolução Francesa povoou o território francês com dez milhões de proprietários que nós podemos, sem perigo, permitir que essas doutrinas apareçam entre nós. Elas podem, sem dúvida, destruir a sociedade, mas graças à Revolução Francesa, elas não prevalecerão e não nos causarão danos. [“Excelente.”]

E finalmente, cavalheiros, a liberdade. Há uma coisa que me choca mais do que qualquer outra. É que o Antigo Regime, que sem dúvida diferia em muitos aspectos do sistema de governo que os socialistas reivindicam (e precisamos compreender isso), estava, em sua filosofia política, muito mais próximo do socialismo do que se pensa. Muito mais próximo do que estamos hoje. Na verdade, o Antigo Regime assegurava que somente o Estado era sábio e que os cidadãos são seres fracos e debilitados que devem ser eternamente guiados pela mão para que não se machuquem. Afirmava que era necessário obstruir, conter e restringir a liberdade individual; que, para assegurar a abundância dos bens materiais, era imperativo organizar a indústria e impedir a livre competição. Sob esse aspecto, o Antigo Regime propunha as mesmas coisas que os socialistas de hoje. Foi a Revolução Francesa que negou isso.

Cavalheiros, o que foi isso que quebrou as correntes que, de todos os lados, impediam a livre movimentação dos homens, dos bens e das idéias? O que restabeleceu a individualidade do homem, que é a sua verdadeira grandeza? A Revolução Francesa! [Aprovação e clamor] Foi a Revolução Francesa que aboliu todos esses obstáculos, que arrebentou as correntes que vocês trariam de volta sob um novo nome. E não foram apenas os membros dessa assembléia imortal – a Assembléia Constituinte, a assembléia que fundou a liberdade, não apenas na França, mas em todo o mundo – que rejeitaram as idéias do Antigo Regime. Foram os homens eminentes de todas as assembléias que a seguiram!

E após essa grande revolução, o resultado será aquela sociedade que os socialistas nos oferecem, uma sociedade formal, organizada, fechada, onde o Estado é responsável por tudo, onde o indivíduo não conta, onde a comunidade acumula todo o poder, toda a vida, onde o fim designado para um homem é apenas o seu bem estar material – essa sociedade em que o próprio ar sufoca e em que a luz mal consegue penetrar? Foi para essa sociedade de trabalhadores incansáveis, antes animais capacitados do que homens livres e civilizados, que a Revolução Francesa aconteceu? Foi por isso que tantos homens morreram no campo de batalha, na forca, que tanto sangue nobre molhou a terra? Foi por isso que tantas paixões foram inflamadas, que tanta inteligência, tanta virtude andou por essa terra?

Não! Eu juro pelos homens que morreram por essa grande causa! Não foi por isso que morreram. Foi por algo muito maior, mais sagrado, que merecia mais dedicação, deles e da humanidade. [“Excelente.”] Se ela aconteceu apenas para criarmos um sistema como esse, a Revolução foi um desperdício terrível. Um Antigo Regime aperfeiçoado teria servido adequadamente. [Clamor prolongado.]

Mencionei agora há pouco que o socialismo fingia ser a continuação legítima da democracia. Não pesquisei pessoalmente, como alguns de meus colegas fizeram, pela etimologia real dessa palavra, a democracia. Não vou revirar o jardim das raízes gregas, como foi feito ontem, para procurar a origem dessa palavra. [Risos.] Procuro pela democracia onde eu a vi, viva, ativa, triunfante, no único país da terra onde ela existe e no único lugar onde ela possivelmente poderia ter-se estabelecido com estabilidade no mundo moderno – na América. [Sussurros.]

Lá se encontra uma sociedade na qual as condições sociais são ainda mais iguais do que entre nós; em que a ordem social, os costumes, as leis, são todas democráticas; onde todos os tipos de pessoas entraram e onde cada indivíduo ainda possui uma completa independência, mais liberdade do que se tem notícia em qualquer outro lugar ou tempo; um país essencialmente democrático, as únicas repúblicas completamente democráticas que o mundo já conheceu. E nessas repúblicas procurar-se-á em vão o socialismo. Não apenas as teorias socialistas não cativaram a opinião pública, como possuem um papel tão insignificante na vida intelectual e política dessa grande nação que não se poderia nem ao menos dizer que as pessoas as temem.

Os Estados Unidos são, hoje, o único país no mundo onde a democracia é completamente soberana. Além disso, é o país onde as idéias socialistas, as quais os senhores presumem estar de acordo com a democracia, tiveram menor influência, o país onde aqueles que apóiam as causas socialistas estão, por certo, um uma posição de desvantagem. Eu, pessoalmente, não acharia inconveniente, se fossem para lá propagar sua filosofia, mas para seu próprio bem, eu não os aconselharia. [Risos]

Um deputado: As mercadorias deles estão sendo vendidas agora.

Cidadão de Tocqueville: Não, cavalheiro. A democracia e o socialismo não são conceitos interdependentes. Eles não são apenas diferentes, mas filosofias opostas. É compatível com a democracia instituir um governo intrometido, superabrangente e restritivo, desde que ele tenha sido escolhido pela população e aja em nome do povo? Será que o resultado não seria a tirania, sob o disfarce de um governo legítimo que, ao se apropriar dessa legitimidade asseguraria para si o poder e a onipotência que de outra forma lhe faltaria? A democracia expande a esfera da independência pessoal; o socialismo a confina. A democracia valoriza o que o homem tem de melhor; o socialismo faz de cada homem um agente, um instrumento, um número. A democracia e o socialismo só possuem uma coisa em comum – a igualdade. Mas percebam bem a diferença. A democracia visa a igualdade através da liberdade. O socialismo busca a igualdade pela força e a servidão. [ “Excelente, excelente.”]

Dessa forma, a Revolução de Fevereiro não deve ser “social”, e se é exatamente isso que ela não deve ser, devemos ter a coragem de dizê-lo. Se ela não deve ser isso, devemos ter energia para proclamar em voz alta que ela não deveria sê-lo, como faço agora. Quando alguém se opõe aos fins, deve se opor aos meios pelos quais se chega a esses fins. Quando alguém não possui nenhum desejo em relação ao fim, não deve entrar pelo caminho que levará até ele. O que foi proposto hoje foi a nossa entrada nesse caminho.

Não deveremos seguir aquela filosofia política que Baboeuf abraçou com tanto entusiasmo [gritos de aprovação] – Baboeuf, o avô de todos os socialistas modernos. Não devemos cair na armadinha que ele indicou, ou melhor, sugeriu, através de seu pupilo e biógrafo Buonarotti. Ouça às palavras de Buonarotti. Elas merecem atenção, mesmo depois de cinqüenta anos.

Um deputado: Não há babovistas aqui.

Cidadão de Tocqueville: “A abolição da propriedade individual e o estabelecimento da Grande Economia Nacional era o objetivo final de seus [de Baboeuf] trabalhos. Mas ele compreendeu bem que tal ordem não poderia ser estabelecida imediatamente após a vitória. Ele acreditava que seria essencial que o Estado agisse de tal forma que todas as pessoas aboliriam a propriedade privada através da realização de suas próprias necessidades e interesses.” Aqui estão os principais métodos que ele concebeu para realizar seu sonho. (Veja bem, ele é seu próprio panegirista, estou apenas citando.) “Para estabelecer, através das leis, uma ordem pública na qual os proprietários, provisoriamente autorizados a manter seus bens, descobririam que não possuiriam riquezas, nem o direito de dispor de seus bens ou receber por eles, em que, forçados a gastar uma grande parte de sua renda em investimentos ou impostos, esmagados sob o peso da tributação progressiva, afastados das questões públicas, privados de qualquer influência, formando, dentro do Estado, nada além de uma classe de estranhos suspeitos, seriam forçados a deixar o país, abandonar os seus bens ou limitar-se a aceitar o estabelecimento da Economia Universal.”

Um deputado: Nós já estamos nesse ponto!

Uma voz da esquerda: Sim! [ “Não! Não!” (interrupção)]

Cidadão de Tocqueville: Aqui está, senhores, o programa de Baboeuf. Espero sinceramente que esse não seja o programa da República de Fevereiro. Não, a República de Fevereiro deve ser democrática e não socialista.

Uma voz da esquerda: Sim! [ “Não! Não!” (interrupção)]

Cidadão de Tocqueville: E se não for socialista, o que ela deverá ser?

Um deputado da esquerda: Monarquista!

Cidadão de Tocqueville (se virando para a esquerda): Ela poderá ser, talvez, se o Sr. deixar que isso aconteça, [ grande aprovação], mas ela não será.

Se a Revolução de Fevereiro não é socialista, o que, então, ela é? Será ela, como muitas pessoas dizem e acreditam, um mero acidente? Será que ela não necessariamente acarreta uma mudança completa no governo e nas leis? Eu acho que não.

Quando discursei em janeiro na Câmara dos Deputados, na presença da maioria dos delegados, que murmuravam em suas mesas, embora por diferentes razões, da mesma forma que vocês murmuravam agora a pouco – [ “Excelente, excelente”]

(O orador se vira à esquerda)

– eu lhes disse: cuidem-se. A Revolução está no ar. Será que vocês não conseguem senti-la? A Revolução se aproxima. Será que vocês não conseguem vê-la? Estamos sentados sobre um vulcão. Ficará registrado que eu disse isso. E por quê? – [Interrupção vinda da esquerda.]

Será que eu tive a fraqueza mental de supor que a revolução se aproximava porque esse ou aquele homem estava no poder, ou porque esse ou aquele acontecimento provocaram a raiva política da nação? Não, cavalheiros. O que me fez acreditar que a revolução se aproximava, o que realmente produziu a revolução, foi isso: eu vi a negação básica dos princípios mais básicos que a Revolução Francesa espalhou pelo mundo. O poder, a influência, as honras, e por que não, a própria vida, estavam sendo confinados dentro dos limites estreitos de uma só classe, como nenhum outro país do mundo antes fizera.

Foi isso que me fez acreditar que a revolução estava à nossa porta. Eu vi o que aconteceria a essa classe privilegiada, o que sempre acontece quando existem aristocracias pequenas e exclusivas. O papel de estadista não existia mais. A corrupção crescia a cada dia. A intriga tomou o lugar da virtude pública e tudo se deteriorou.

Como a classe mais alta.

E entre as classes mais baixas, o que estava acontecendo? Cada vez mais se libertando, tanto intelectual quanto emocionalmente, daqueles cuja função era liderá-los, o povo em sua maioria se encontrou naturalmente inclinado em direção àqueles que lhes eram amigáveis, entre os quais estavam demagogos perigosos e utopistas inúteis daquele tipo com o qual temos nos ocupado aqui.

Por eu ter visto essas duas classes, uma pequena, outra numerosa, separando-se pouco a pouco uma da outra – uma imprudente, insensível e egoísta, outra cheia de inveja, resistência e raiva, por eu ter visto essas duas classes isoladas e avançando em direções opostas, eu disse – e tinha razões para isso – que a revolução estava levantando a sua cabeça e logo estaria sobre nós. [ “Excelente!”]

Era para estabelecer algo parecido com isso que a Revolução de Fevereiro aconteceu? Não, cavalheiros. Recuso-me a acreditar nisso. Tanto quanto qualquer um de vocês, acredito no contrário. Desejo o oposto, não apenas pelos interesses da liberdade, mas também pela segurança pública.

Eu admito que não trabalhei pela Revolução de Fevereiro, porém, tendo ela ocorrido, desejo que ela seja uma revolução séria e comprometida, porque desejo que seja a última. Sei que apenas revoluções dedicadas perduram. Uma revolução que não defende nada, que, contaminada com a esterilidade desde seu nascimento, que destrói sem construir, não faz nada além de dar à luz novas revoluções. [Aprovações.]

Assim, desejo que a Revolução de Fevereiro tenha um significado, claro, preciso e grande o suficiente para que todos vejam.

E qual é esse significado? Em resumo, a Revolução de Fevereiro deve ser uma continuação real, uma execução sincera e honesta daquilo que a Revolução Francesa defendia, deve ser a atualização daquilo que nossos pais ousaram sonhar. [ Grande concordância.]

Cidadão Ledru-Rollin: Peço permissão para falar.

Cidadão de Tocqueville: É isso que a Revolução de Fevereiro deve ser, nem mais nem menos. A Revolução Francesa defendia a idéia que, na ordem social, não deve haver classes. Ela nunca incentivou a divisão dos cidadãos em proprietários e proletários. Não se encontrará essas palavras, carregadas de ódio e guerra, em nenhum dos grandes documentos da Revolução Francesa. Pelo contrário, ela foi baseada na filosofia de que, politicamente, não devem existir classes; a Restauração, a Monarquia de Julho, defendiam o oposto. Devemos permanecer com nossos pais.

A Revolução Francesa, como já disse, não possuía a pretensão absurda de criar uma ordem social que colocava nas mãos do Estado o controle sobre o destino, o bem estar, a afluência de cada cidadão, que substituía a altamente questionável “inteligência” do Estado pela inteligência prática e útil dos governados. Ela acreditava que essa tarefa era grande o suficiente para garantir a cada cidadão esclarecimento e liberdade. [“Excelente”.]

A Revolução teve essa crença firme, nobre, orgulhosa, de que vocês parecem carecer, que é suficiente para homens corajosos e honestos ter essas duas coisas, esclarecimento e liberdade, e para não pedir nada mais daqueles que o governam.

A Revolução foi baseada nessa crença. Ela não determinava tempo ou meios de viabilizá-la. É nosso dever permanecermos com ela e, dessa vez, cuidar para que ela se realize.

Por fim, a Revolução Francesa desejava – e foi isso que a fez não apenas ser beatificada, mas santificada aos olhos da população – introduzir a caridade na política. Ela concebeu a noção de dever em relação aos pobres, aos que sofrem, algo mais extenso, mais universal do que qualquer coisa já implementada. É essa idéia que deve ser recapturada, não, repito, trocando a inteligência individual pela do Estado, mas agindo para ajudar aqueles que têm necessitades, aqueles que, após ter esgotado seus recursos, seriam jogados à miséria caso não lhes fosse oferecido auxílio, através de meios que o Estado já possui à sua disposição.

Essencialmente, é isso que a Revolução Francesa buscava, e é o que nós devemos fazer.

Então, eu pergunto?

Será que isso é socialismo?

Grito da esquerda: Sim! Sim, o socialismo é exatamente isso.

Cidadão de Tocqueville: De forma alguma!

Não, isso não é socialismo, mas cristianismo aplicado à política. E não há nada que...

(Interrupção...)

Cidadão Presidente: Você não pode ser ouvido. É obvio que você não possui a mesma opinião. Você terá a sua chance de falar da tribuna, mas não interrompa.

Cidadão de Tocqueville: Não há nada que dê aos trabalhadores o direito de fazer reivindicações ao Estado. Não há nada na Revolução que force o Estado a colocar-se no lugar da do cuidado individual, no lugar do mercado, no lugar da integridade individual. Não há nada que autorize o Estado a interferir nas questões industriais ou a impor suas regras à indústria, a tiranizar o indivíduo para governá-lo melhor, ou, como se afirma audaciosamente, para salvá-lo de si mesmo. Não há nada além do cristianismo aplicado à política.

Sim, a Revolução de Fevereiro deve ser cristã e democrática, mas ela não deve ser, sob qualquer circunstância, socialista. Essas palavras resumem o que eu penso e encerro aqui o que eu tinha a dizer.

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