terça-feira, 11 de novembro de 2008

Um otimismo razoável

por Pedro Sette Câmara, no Ordem Livre

Uma das vantagens subjetivas de ser contagiado pelo otimismo é bastante simples: ele é mais motivador e é mais gostoso ser feliz do que ser infeliz. É melhor torcer para o time que vence do que para o time que perde. Se um liberal é obrigado a um certo pesar pela inflação das expectativas (não sem precedentes!) que Obama causou em torno de si e do papel do presidente, isso não significa que só lhe reste um sentimento apocalíptico, como se a luta pela liberdade fosse quixotesca. Eu até acho que, se o preço da liberdade é a eterna vigilância, é claro que jamais teremos um sistema tão perfeito que nos dispense de ser bons (parafraseando T.S. Eliot), e que vamos sempre ter de querer a liberdade e renovar o ato da consciência individual que compreende seu valor.

Mesmo pessoas que, como eu, acham simpática a idéia de um presidente americano negro – admitindo algum contágio – , não resistem a ironizar a expectativa de que alguma coisa radicalmente diferente e positiva venha a acontecer. Mais ainda, é irresistível ironizar as expectativas messiânicas que o próprio Barack Obama gerou em torno de si mesmo e o quanto as pessoas que se julgam mais “esclarecidas” se deixam levar pela retórica da batalha do bem contra o mal no poder executivo americano. Alexander Herzen teria reclamado – ao menos é o que aparece em The Coast of Utopia, a trilogia teatral de Tom Stoppard – que o que as pessoas querem é “uma tirania que esteja do lado delas”. Ora, uma das principais diferenças entre um liberal e um não-liberal está exatamente aí: na expectativa de que o governo seja limitado, não de que ele seja ilimitado e promova políticas com as quais se concorde. Por isso, “esclarecido” ou não, o obamista é um crente no Estado, um não-liberal, ainda que certamente um liberal no sentido mais Hillary Clinton da palavra.

Aliás, pensando no discurso de Barack Obama após a eleição, fiquei assustado (mas não surpreso) ao ouvi-lo falar em “união” e “sacrifício”, porque não concebo que caiba ao presidente pedir essas coisas. Enquanto liberal, creio que é minha obrigação tolerar civilmente uma série de coisas de que não gosto ou que considero até moralmente repugnantes, por isso eu não teria uma reação negativa se Obama pedisse aos americanos que simplesmente não se matassem ou parassem de tentar usar o sistema judiciário para promover seus próprios valores “conservadores” ou “progressistas”. Se fosse para reduzir a questão a um slogan, seria “tolerância é o suficiente”, não só porque ela pode ser traduzida em atitudes tangíveis como porque não é possível fazer com que toda a população aprove alguma conduta. Quanto ao sacrifício, só me cabe perguntar: o que mais você quer que o cidadão faça além de pagar impostos e ser honesto e ordeiro? Mesmo que eu acredite num dever moral de praticar alguma caridade, creio que essa é uma questão privada. Não que eu acredite que John McCain fosse pedir algo diferente do povo americano: seria igualmente ingênuo esperar o contrário.

Agora, o que pode dar causa para algum otimismo é, antes de tudo, uma mudança de escala e de foco. O poder executivo americano pode estar inflando, mas o relatório Liberdade econômica no mundo deste ano do Fraser Institute diz que em muitos lugares do mundo a pobreza diminui, graças ao aumento de liberdade econômica. Aqui mesmo na América Latina podemos ter Hugo Chávez, mas o Chile já está entre os 10 primeiros colocados em liberdade econômica, com prosperidade evidente. Podem existir miríades de ONGs dedicadas a causas pontuais e esquerdistas, mas o número de ONGs – think tanks e outras instituições – devotadas à promoção da liberdade enquanto ausência de coerção por parte do governo só aumenta. Devagar, mas aumenta. Mesmo algumas expectativas em relação a Obama são boas, como a de que ele torne os EUA menos imperiais. Creio que ele dificilmente atenderá a essas expectativas, mas é bom que elas existam: no mínimo, servem como premissas retóricas para diminuir o poder da presidência.

São dados como esses que colocam a política do dia-a-dia em perspectiva e nos lembram do que Hayek falou sobre os políticos não serem verdadeiros líderes, mas meros seguidores de idéias presentes no senso comum. Se algum otimismo político é necessário para o seu bem-estar emocional, ao menos tente tirá-lo de causas mais verdadeiras, ainda que menos contagiosas e oceânicas do que o messianismo do presidente americano.

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