quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A crise e a cartilha anti-liberal

André Azevedo Alves, no Publico

As referências ao “neo-liberalismo” funcionam, desde os anos 1980, quase sempre como uma espécie de papão indefinido que é agitado ciclicamente para assustar a opinião pública.

Não espanta por isso que, no contexto da actual crise, o discurso sobre a falência das ideias “neo-liberais” esteja a servir para ocultar os falhanços da política monetária e da regulação. Aqui, convirá recordar que foram os bancos centrais a gerar condições para a bolha de crédito (através da manutenção de taxas de juro artificialmente baixas) e não esquecer as falhas dos reguladores do sistema financeiro, que se revelaram incapazes de cumprir com independência (do poder político e económico) as funções que justificam a sua existência.

Tanto na Europa como nos EUA, o peso do Estado (absorvendo na maior parte dos casos entre um terço e metade da riqueza produzida) está muito longe do que se poderia considerar um Estado pequeno. Mesmo assim, a regulação não funcionou.
As falhas dos Estados tiveram um papel crucial na geração da actual crise internacional mas, infelizmente, serão os contribuintes actuais e futuros a pagar as consequências dessas falhas. E tanto mais quanto se insistir nas velhas receitas keynesianas de aumento da despesa pública, endividamento do Estado e expansionismo monetário.

Assim sendo, não deixa de ser surpreendente que o rebentamento da bolha gerada por anos de crédito fácil estimulado pelos Bancos Centrais (acompanhado pelo evidente falhanço das entidades de supervisão e regulação) seja repetidamente apresentado como um produto do livre funcionamento da economia de mercado. A forma como a cartilha anti-liberal de muitos comentadores e jornalistas ignora as múltiplas formas de intervenção estatal na economia pode interpretar-se como pura má-fé ou simples ignorância. Mas, seja como for, há que reconhecer o seu eficiente contributo para a criação de um ambiente propício à ascensão de discursos e medidas populistas estatizantes (incluindo os famigerados “planos de salvação” que socializam os prejuízos de grupos e sectores politicamente influentes). Felizmente, ao contrário do que desejariam os arautos da cartilha anti-liberal, o modelo de economia de mercado (mais ou menos intervencionada) que tem caracterizado os países mais desenvolvidos não deverá estar em causa. A memória do absoluto desastre de todas as experiências de “socialismo real” está ainda demasiado próxima, e deverá impedir que o discurso anti-capitalista mais radical se propague para além dos grupos extremistas.

Existe, no entanto, a ameaça bem real de assistirmos – no âmbito do actual modelo – a um aumento do intervencionismo estatal a nível nacional e do proteccionismo a nível internacional. Infelizmente, se tal se vier a verificar, serão os mais pobres e as pequenas economias mais dependentes da integração na economia internacional – como a portuguesa – quem mais sofrerá com a crise.

Uma ameaça que, no contexto português, tende a ser fomentada pela nossa histórica hostilidade ao funcionamento dos mercados, bem manifesta no corporativismo do Estado Novo e nas desastrosas políticas do período revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril de 1974.

Compreende-se assim que, num olhar retrospectivo, só o CDS de Lucas Pires tenha estado em alguns aspectos próximo do liberalismo, ainda que a crédito do PSD de Cavaco Silva se possam contar algumas importantes reformas liberalizantes.

Mesmo assim, temos de reconhecer que nenhum dos dois partidos alguma vez chegou a adoptar uma plataforma próxima da tradição do liberalismo clássico. O PSD, talvez pelas circunstâncias históricas da sua génese, sempre se assumiu como social-democrata e o CDS-PP tradicionalmente adoptou uma matriz de democracia cristã..

Importa no entanto frisar que seria um erro querer encaixar a ameaça do populismo estatizante promovido pela cartilha anti-liberal nos estritos moldes da tradicional dicotomia esquerda/direita. Será que, no contexto da reacção à crise, se poderá classificar – por exemplo – Gordon Brown como sendo mais estatista do que Sarkozy? Ou esquecer que George W. Bush – nos anos que precederam o rebentar da actual crise – foi um dos Presidentes norte-americanos que mais aumentou o peso do Estado, por contraponto a Bill Clinton que privilegiou o equilíbrio orçamental?

Quem sabe se, daqui por algum tempo, Obama não irá começar a ser acusado pelos arautos da cartilha anti-liberal de – também ele – ser um agente do “neo-liberalismo”? Seria, apesar de tudo, um bom sinal.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Katrina passou na janela, e a Carolina barbuda não viu

O furacão Ike matou quatro pessoas em Cuba. As chuvas já fizeram, em números oficiais, provavelmente subestimados porque deve haver corpos soterrados, 69 vítimas fatais em Santa Catarina.

Duas tragédias, dois presidentes. Para responder à emergência cubana, com seus quatro mortos, Luiz Inácio Castro da Silva convocou uma reunião de emergência com sete ministérios e editou uma MP determinando ajuda humanitária ao país. Para Santa Catarina, por enquanto, ele pediu um minuto de silêncio. Ah, sim: determinou que quatro ministros dêem uma espiadela na tragédia que acomete o estado. O governo ofereceu helicópteros para resgate e alguns colchões. E só. Nada de Medida Provisória liberando dinheiro.

Vamos entender as coisas na sua devida dimensão. A presença de ministros no local da tragédia, se não tiverem recursos a oferecer, é inútil. O papel da solidariedade política cabe ao chefe da nação — que é Lula. Ele, sim, já deveria ter pisado em solo catarinense para evidenciar que a população não está só. Tratar-se-ia de um simbolismo, enquanto seus auxiliares, em Brasília, viabilizariam os recursos. E olhem que nem seriam necessários sete ministros...

É o lado Bush de Lula. Katrina passou na janela, e a Carolina barbuda não viu.

O povo de Santa Catarina já se ergueu de outras tragédias. E o fará de novo. Que isso não sirva para esconder a lentidão do governo federal em prestar socorro àqueles brasileiros.

sábado, 22 de novembro de 2008

Neopatrimonialismo racista

no Resistência

Diz o chavão que no Brasil tudo acaba em samba. Mentira, é claro: muita gente por aqui detesta qualquer tipo de batucada. Mas há, sim, algo de que todo brasileiro gosta: benesses do Estado. Conseguir uma bocada paga com dinheiro público é o verdadeiro esporte nacional, mais popular até que o futebol, ao qual a população da Terra dos Papagaios se dedica com um afinco que ela não costuma demonstrar por mais nada - excetuando-se, talvez, o carnaval e o futebol. Tudo aqui acaba em boquinha.

O patrimonialismo - esta mania de tratar o estado e a coisa pública como se fossem propriedade particular - é o fenômeno atávico subjacente a essa mania nacional da boquinha. Ele é o segredinho sujo por trás da proliferação de "movimentos" de defesa de pretensas minorias - negros, indígenas, gays, travestis, mulheres, pois no horizonte dos indivíduos que participam desses movimentos está sempre a possibilidade de se apropriar de renda ou propriedade estatal.

O movimento pelos direitos civis liderado por Martin Luther King buscava o que já está explícito em seu nome: o fim da discriminação, direitos iguais para os negros norte-americanos. O que quer o "movimento negro" brasileiro (entre aspas porque isso não existe na vida real, fora da luta por verbas públicas)? Direitos iguais não pode ser: nossa legislação não só nunca discriminou (até agora...) ninguém pela cor da pele como, pelo contrário, pune severamente o crime de racismo.

O que se busca, na verdade, é simples: a apropriação privada de bens públicos. Assim, nosso movimento contra o "racismo" (onde? de quem contra quem?) quer vastas extensões de terra (distribuição de propriedades rurais e urbanas que teriam sido parte de quilombos imaginários), indenizações em dinheiro vivo e as famigeradas "cotas": carguinhos públicos (cotas cargos em comissão), empregos públicos (cotas em concursos públicos), vagas em universidades públicas (cotas raciais para o ensino superior estatal) e até cotas para a participação de "afrodescendentes" em comerciais de televisão (lembre-se de que a emissão televisiva é uma concessão pública).

Não é à toa que no "estatuto da igualdade racial" que tramita no Congresso (uma aberração que pisoteia a igualdade e institui o racismo no país) consta a obrigatoriedade da remuneração - com verba pública, é óbvio - das "lideranças" do movimento negro. Uma verdadeira pérola do patrimonialismo de corte racial misturado com doses generosas de clientelismo.

É por isso que sempre que passamos por uma data comemorada por algum desses movimentos de defesa de minorias oprimidas, eu me preparo para ler notícias sobre a aprovação de alguma lei absurda. O dia de Zumbi, ou da tal consciência negra de que fala logo abaixo o Fabiano - esse nunca me decepciona. Ontem, confirmando a tradição, a Câmara dos Deputados aprovou um festival de cotas "sociais" e raciais que praticamente expulsa o mérito acadêmico individual como critério de entrada na universidade estatal (não dá mais para chamar de pública uma universidade que discrimina oficialmente uma parcela da população).

Patrimonialismo e clientelismo (as benesses estatais sempre vêm pela mão de alguém, certo?) têm meio milênio de história no Brasil: eles chegaram ao país com as caravelas do Cabral. Sempre foram esportes nacionais muito populares. O que deprime é ver adicionado a essas mazelas uma nova, o racismo. Como quase ninguém tem coragem de se pronunciar publicamente contra essa "novidade" por medo de um possível massacre politicamente correto, o neopatrimonialismo racista avança sem obstáculos.

Que tristeza.

*

Com relação aos deputados que aprovaram essa lei racista e anti-republicana, dizer o quê? Os caras aprovam qualquer coisa, desde que o governo os pague por isso. De mais a mais, como aquele bando de boçais semi-alfabetizados pode dar valor à universidade? Para eles o ensino superior não passa de mais uma oportunidade para se fazer demagogia barata.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Da Consciência adjetivada

no Resistência

Ontem foi comemorado o Dia da Consciência Negra. A data foi estabelecida em homenagem a Zumbi dos Palmares, morto em 20 de novembro de 1695. Zumbi, se não lembram, era um escravo que, revoltado contra as condições realmente desumanas a que eram submetidos os negros, rebelou-se, fugiu e fundou o Quilombo dos Palmares -- onde também havia escravidão. Segundo li neste verbete da Wikipédia, devidamente referenciado (grifos meus):

"A luta de Palmares não era contra a iniqüidade desumanizadora da escravidão. Era apenas recusa da escravidão própria, mas não da escravidão alheia".

Ou então:

"Se algum escravo fugia dos Palmares, eram enviados negros no seu encalço e, se capturado, era executado pela ‘severa justiça’ do quilombo".

Sacaram a homenagem a Zumbi? Eu não...

Também não saquei até hoje essa história de "consciência negra". Como assim? Consciência tem cor? Desde quando? Quem a pintou? Com que tinta? Com brocha, pincel ou spray? Do alto da minha ignorância, sempre imaginei que a consciência, como a água, fosse incolor, inodora e insípida. Vivendo e aprendendo...

Mas se a consciência suporta adjetivos, também quero brincar disso. Lanço aqui uma campanha pela adoção do Dia da Consciência Pesada. Uma homenagem aos obesos, nossos irmãos. (E, se eu não me cuidar, em breve entrarei para a catchiguria.) Poderia cair no dia do nascimento do Faustão. Ou do Jô Soares, sei lá...

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Aquecendo as notícias sobre o Aquecimento

por Reinaldo Azevedo

A questão, obviamente, não vai ganhar o mundo. E nem será tratada como deveria: um escândalo. Mas vocês poderão ler tudo no texto de Christopher Booker no Telegraph.co.uk. Na segunda-feira, 10 de novembro, o Instituto Goddard de Estudos Espaciais (GISS), um órgão da NASA chefiado por James Hansen, um homem de Al Gore, anunciou que o mês de outubro fora o mais quente da história. Muita gente ficou um tanto espantada porque, vejam só!, isso contrariava a experiência e os satélites. Mas vocês sabem: como desconfiar de gente tão séria? E, sobretudo, como levantar alguma dúvida se há quem sustente que o mundo vai arder? É pecado. É proibido. Se os crentes de Al Gore falam, a gente tem de dizer amém.

Não obstante, a agência oficial da China havia noticiado que o Tibete tivera a pior tempestade de neve da história. Nos EUA, a National Oceanic and Atmospheric Administration registrou 63 áreas com queda recorde de neve e 115 outras com recordes de baixa temperatura para o mês de outubro. E constatou que 2008 teve apenas o 70º outubro mais quente em 114 anos.

E o que explicava, então, o “outubro mais quente da história” anunciado pelo amigo de Al Gore? Ah, é que haviam colhido dados sobre temperaturas mais altas do que o normal na maior parte da Rússia. Dois blogs dos chamados céticos do Aquecimento Global, Watts Up With That e Climate Audit, decidiram detalhar os números do GISS. Pois é... Eles diziam respeito ao mês de setembro, quando ainda era verão...

No dia 29 do mês passado, nevou em Londres — a primeira neve em outubro desde 1922. Enquanto isso, o Parlamento do país debatia o aquecimento global. Ninguém precisa puxar a faca. Não estou negando o aquecimento global com a mesma certeza estúpida com que se anuncia o fim do mundo "provocado pelo homem". O que me causa espécie, aí sim, é que se faça tamanho estardalhaço com um erro — na hipótese benevolente — e se procure esconder as notícias que não endossam as teses escatológicas. Divirtam-se lá com o texto.

Para Lula, se desemprego crescer, a culpa é nossa

por Reinaldo Azevedo

Vi Lulovsky Apedeutakoba ontem na TV. Muito ponderado, ele sugeriu que o sujeito que já está endividado não se meta em mais dívidas. Já aos não-endividados, ele recomendou que não temam o crediário e partam para os compras. Não parou por aí.

Exercitando o que aprendeu na aula de Massinha I do pré-primário de como funciona o mercado interno, afirmou que, se ninguém comprar, o país produz menos, e, se o país produz menos, o desemprego aumenta.

É uma lógica realmente interessante. FHC era culpado não apenas pelas crises externas — já Lula cobra de George W. Bush a solução — como pelo desemprego. Alguém soprou ao Apedeuta uma nova verdade: caso alguém seja demitido, a culpa será dos brasileiros que não foram às compras.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Che, o Filme

No Imprensa Marrom, o Gravataí Merengue criou o blogueiro perfeito da petistosfera: o Miro Carrera, uma mistura de Charles Bronson com Heloísa Helena. Uma crítica ácida e inteligente sobre o pensamento esquerdista que se comporta como torcida organizada de futebol.

No post de ontem, ele me sai com essa:

Che, o Filme
Não vi e não gostei o filme do ícone Che Guevara. Dizem que na película ele é violento. Inapropriada tal abordagem, pois o revolucionário seria incapaz de ferir uma mosca. Ele feria, quando muito, os dissidentes desarmados e já rendidos, com os olhos devidamente vendados e ajoelhados. Mas as moscas, ah, nelas ele não punha os dedos. Era defensor da natureza.

Perfeito!

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Pais não têm competência...

via O Insurgente

A República de Weimar - a boa...

Comentário de um leitor publicado no Blog do Reinaldo Azevedo, o qual fez questão de destacar na página principal:

Eles têm os leitores deles, aquelas coisas... Eu tenho os meus, como Weimar. Ele escreve e eu sempre "subscrevo embaixo", reproduzindo uma graça do próprio.
*
Vou tentar ser Claro. Não o Claro, coisa que jamais poderia ser; apenas ser CLARO.

É realmente verdade que uma boa parte da população esteja percebendo as críticas ao delegado e ao juiz como defesa de privilegiados. É verdade, lamentável e preocupante que assim se pense.

Agora, vejamos por que a garantia dos direitos individuais, velha questão, torna-se mais urgente e preocupante quando o mal chega a parte da elite.

A história da civilização (queremos acreditar que assim seja, mas há controvérsias) vem, de modo geral, num crescendo de justiça, liberdade e democracia. Sabemos que esta nossa sociedade, a brasileira, tem graves deficiências nessas áreas, mas sabemos também que já foi pior, muito pior. Os direitos individuais que só atingiam uma pequeníssima parte da população passaram a chegar a novas faixas, ou classes. E isso nos dava esperança de que, em breve, estariam garantidos os direitos individuais a todos os cidadãos.

Nesse caso de D.D. e outros elementos (vai aqui uma concessão aos linchadores, já que mais correto seria dizer “cidadãos”), o que se vislumbra é que a tendência inverte-se: em lugar de direitos o que avança é uma perigosa nuvem negra de ilegalidades, injustiças e tirania. O que não muda, em relação aos piores tempos, é que a alteração ocorra em benefício de outra, pequeníssima, parte da elite, dos privilegiados, dos donos do poder.

Não há como deleitar-se com o fato de que injustiças, ilegalidades sejam cometidas contra quem quer que seja. Na há como alegrar-se com o pensamento doentio de: “Agora, sim, estamos todos sob o império do arbítrio!” Faz-se justiça com esse jeito torto? Não! Beneficia-se a democracia? Não, ela contrai-se! Até porque, é claro, lógico, natural, incontroverso, sabido pela história que para haver tirania é preciso que haja tiranos, sempre intocáveis pela lei. Lei que será deles. A estes a lei não ameaça. Não se acaba o arbítrio com mais arbitrariedade. O remédio que resta, doloroso, fica por conta da bala do fuzil ou da forca. Remédio sempre terrível, com enormes efeitos colaterais.

E por que parte da população vê com maus olhos essa luta pela defesa dos direitos individuais? Em grande parte, pelo trabalho da imprensa vendida e da imprensa covarde, formadas, por sua vez, pelo desastre que são nossas universidades.

A briga aqui não é por privilégios; é pelo processo civilizatório.

Weimar