por Rodrigo Constantino
“O crédito fácil se transformou no Santo Graal da política monetária, principalmente sob a batuta de Alan Greenspan, ‘o Maestro supremo’.”
(Ron Paul)
O ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, fez uma tímida mea culpa diante dos congressistas, ao confessar algumas falhas em sua gestão como banqueiro central. Greenspan alegou que sua confiança na capacidade de auto-regulação dos mercados se mostrou errada, para o delírio dos intervencionistas. Mas será que foi isso mesmo que aconteceu? A postura defensiva de Greenspan parece bastante natural, e o reconhecimento de um pequeno erro como regulador pode ocultar uma falha infinitamente mais grave. É mais fácil Greenspan jogar para o mercado a maior culpa, enquanto alivia o seu próprio fardo de ter, no fundo, contribuído muito para criar a bolha. Não faltaram críticos no passado que apontavam para esse erro bem mais sério do que apenas evitar os excessos do mercado. O grande erro de Greenspan não foi acreditar no poder de ajuste natural do mercado, mas sim ter colaborado muito para os seus excessos.
Eu mesmo fui um desses críticos no passado. Em um artigo escrito em abril de 2004, chamado “Amnésia Política”, utilizei vários trechos do próprio Greenspan escritos em 1966, num livro de Ayn Rand (Capitalism: The Unknown Ideal). A primeira frase do meu artigo foi: “No encontro entre um liberal e a política, é infinitamente mais provável que o primeiro seja corrompido pelo segundo, e não o contrário”. Essa introdução já expressava minha enorme decepção com Greenspan, ao constatar que aquele velho liberal havia cedido aos encantos do poder. A vaidade de Greenspan, aliás, parece evidente, e logo após se aposentar, depois de 18 anos à frente do Fed, ele já contava com uma autobiografia pronta. Greenspan, que fora discípulo de Ayn Rand e um defensor do laissez-faire e do padrão-ouro, chegando a culpar as ações do Fed pela Grande Depressão de 1929, acabou indo parar justamente no governo, concentrando um poder abusivo nas mãos.
Eis alguns trechos de Greenspan que eu destaquei no artigo: “Quando a economia nos Estados Unidos se submeteu a uma contração suave em 1927, o Fed criou mais reservas de papel na esperança de prevenir alguma falta possível da reserva bancária. [...] O crédito adicional que o Fed injetou na economia se espalhou para o mercado financeiro – provocando um crescimento especulativo fantástico. Em 1929 os desequilíbrios especulativos tinham-se tornado tão exagerados que a tentativa de enxugar as reservas adicionais precipitou uma aguda retração e a conseqüente desmoralização da confiança dos empresários. Em conseqüência, a economia americana desmoronou”. Em outras palavras, Alan Greenspan, ainda longe do poder, entendia como as ações do Fed, na tentativa de injetar liquidez nos mercados para evitar ajustes necessários, acabavam agravando os problemas.
Minha conclusão no artigo evidencia toda a decepção na época: “E pensar que este homem hoje senta na presidência do próprio Fed, injetando como ninguém liquidez nos mercados, tentando artificialmente manter o boom econômico, evitar a correção natural dos investimentos ruins realizados, usando o governo para ‘consertar’ os problemas da economia criados pelo próprio governo. O mundo perde muito com o fato de Greenspan ou ter esquecido o que disse em 1966, ou ter sucumbido às pressões políticas. Ele mesmo tem consciência de que é impossível alterar as leis econômicas através de mecanismos artificiais do governo. Mas a amnésia que o jogo político causa até mesmo nas cabeças mais lúcidas é incrível”.
E eu estava longe de ser o único crítico dessas medidas expansionistas adotadas por Greenspan! No Brasil, o economista Paulo Guedes sempre focou nesse aspecto, chegando a me dizer pessoalmente que o “mago” ainda seria vítima do ódio de muita gente, quando a bolha estourasse. No resto do mundo foram muitos os críticos, como os economistas “austríacos” do Mises Institute, ou Christopher Woods, estrategista do CLSA e autor de Greed & Fear, carta semanal aos seus clientes. O senador Ron Paul foi outro que acusou a irresponsabilidade de Greenspan muito antes de a bolha explodir. Na frase da epígrafe, o ex-candidato à presidência americana ridiculariza a fé tola nos poderes do Banco Central.
Essa crença nos poderes “mágicos” do Banco Central talvez seja um dos maiores indícios de irracionalidade dos tempos modernos. Em outro artigo meu intitulado O Templo, de 2006, comentei o livro A Term at the Fed, do ex-governador Laurence Meyer. Eis como começo: “A concentração de poder em poucas mãos sempre irá representar um enorme risco para os indivíduos. Isto não é diferente quando o assunto é economia. Por tratar-se de um campo com um jargão muito técnico, os leigos acabam vendo certas figuras como ‘sábios clarividentes’, delegando a esses as rédeas de toda a economia. Entretanto, não devemos esquecer que são apenas humanos sujeitos às falhas comuns da espécie, além de pressões externas e busca de interesses próprios”.
Infelizmente, muitos esqueceram essa lição, e durante a fase de bonança, Greenspan foi eleito o “Maestro” capaz de garantir a continuidade eterna da festa. Pior para ele que viveu o suficiente para ver o fim da festa, e está na defensiva tendo que se justificar. É uma pena que lhe falte mais coragem para assumir o verdadeiro erro, que foi ter se afastado de suas crenças antigas, seduzido pelo poder. Isso não iria apagar o passado, mas ao menos daria mais dignidade a ele nesse fim de vida. Se ele fizesse isso e se existisse vida após a morte, ao menos ele poderia reencontrar Ayn Rand com a cabeça erguida.
Tarefa impossível...
Há 3 semanas
Nenhum comentário:
Postar um comentário