sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Um presidente, não um salvador

por Gene Healy, via Ordem Livre

Em uma famosa entrevista na televisão, em 1979, Ted Kennedy, então candidato democrata à presidência, não conseguiu dar uma boa resposta a uma simples pergunta: “Por que você quer ser presidente?” A resposta veemente de Kennedy causou sérios danos à sua campanha. Recentemente, no Fórum Saddleback sobre a Presidência, os senadores Obama e McCain deram respostas mais coerentes quando o Pastor Rick Warren lhes fez a mesma pergunta. No entanto, se as perguntas tivessem sido feitas em um país com uma percepção mais lógica da presidência, as respostas dadas hoje também seriam desqualificadas.

O que levou Barack Obama a disputar a presidência foi a “idéia básica da empatia” e a noção de que “quando virmos uma pessoa passando necessidades... nós cuidaremos dela.” O republicano John McCain explicou que estava concorrendo “para inspirar uma geração de americanos a servir uma causa maior que seus próprios interesses.”

Certamente, seus sentimentos são nobres, mas no projeto original da constituição o presidente não era o Comandante da Empatia, nem o motivador nacional. Seu papel era executar as leis com fidelidade, defender o país contra ataques externos e controlar o congresso através de seu poder de veto, sempre que este excedesse seus limites constitucionais.

O que os americanos esperam do presidente?

Mas existe uma razão para que os candidatos falem dessa forma. Sua retórica reflete com fidelidade as expectativas descomunais da população em relação ao cargo: faça a economia crescer. Crie uma assistência médica melhor e mais barata. Proteja-nos dos tornados. Acabe com o aquecimento global. Leve paz ao Oriente Médio. Lidere-nos. Inspire-nos. Ansiamos por um super-herói espiritual, não apenas alguém que vá “preservar, proteger e defender a constituição.”

Enquanto as convenções celebram a unção de seus candidatos, vale a pena explorar como o distanciamento americano daquela concepção modesta da responsabilidade presidencial que tinham os fundadores do país nos deixou com uma política disfuncional, além de uma presidência imperial inchada.

A campanha de McCain encontrou seu caminho nas últimas semanas ao alfinetar as pretensões messiânicas de Obama. Um anúncio recente de McCain, com o título irônico de “O escolhido”, mistura cenas de discursos de Obama com as de Charlton Heston, interpretando Moisés, dividindo as águas. “E o mundo receberá as bênçãos [de Obama],” diz o narrador. É um anúncio eficiente, que brinca com a áspera arrogância que periodicamente emerge da campanha de Obama. Como disse Michele Obama em fevereiro de 2008: “Barack Obama é a única pessoa nessa disputa que compreende que antes de nos ocuparmos de nossos problemas, nós precisamos curar nossas almas. E as almas dessa nação estão doentes.”

Mas não se engane: os dois partidos vêem o presidente como um guardião nacional, um redentor, uma figura à qual se confia os cuidados da alma americana.

Esse é um tema que o presidente Bush repete com freqüência e que é praticamente obrigatório para os candidatos republicanos. Quando Mike Huckabee anunciou a sua candidatura em janeiro de 2007, ele disse que concorreria porque “os Estados Unidos precisam de uma liderança positiva, otimista, para recuperar esse país, para fazer reviver nossa alma nacional...”

McCain também vê o presidente como um médico de almas. Teddy Roosevelt, seu herói, foi um grande presidente, diz McCain, porque “interpretou livremente a autoridade constitucional do cargo” e “nutriu a alma de uma grande nação.”

Se a nutrição de almas é parte do trabalho do presidente, o que não será?

Essa concepção grandiosa do papel do presidente não poderia estar mais distante da forma como nossos fundadores viam o cargo. Como nos diz The Federalist número 69, o “CEO” da constituição tinha um trabalho importante, mas não teria “nenhuma porção de jurisdição espiritual.” Ao invés disso, como explica Jeffrey K. Tullis, um estudioso da presidência, diferentemente dos “regimes que tentam moldar a alma de seus cidadãos e nutrir certas excelências e qualidades morais através de uma profunda interferência na esfera ‘privada’, os fundadores queriam que o seu governo fosse limitado a estabelecer e dar segurança a ela.”

Os homens que projetaram nossa constituição nunca pensaram no presidente dos Estados Unidos como um “líder nacional”. Pelo contrário. Para eles, a própria noção de “liderança nacional” levantava a possibilidade de termos um governo autoritário, comandado por um demagogo que criaria uma atmosfera de crise visando aumentar seu poder.

Por mais difícil que seja imaginarmos, em meio a uma campanha eleitoral moderna, os fundadores dos Estados Unidos rejeitavam completamente a noção de ”valentão do púlpito”.

Os presidentes deveriam ser mais vistos que ouvidos, e é por isso que os nossos primeiros sete presidentes fizeram, em média, um pouco mais de três discursos públicos por ano. Os primeiros presidentes também não seguiam a prática moderna dereferir-se a si mesmos como “comandante-em-chefe”, como se os Estados Unidos fossem um grande exército, dirigido por seu líder militar supremo. Quando George Washington se referia ao cargo que ocupava, ele o fazia com um o humilde termo “magistrado chefe”.

Infelizmente, é difícil discernir qualquer traço de humildade nas campanhas eleitorais. Se os nossos candidatos à presidência parecem abraçar uma idéia exagerada de seu status, talvez isso ocorra em função da bajulação com a qual são recebidos pelas platéias nos eventos de suas campanhas. Um artigo recente no The New York Times descrevia a atmosfera comum nessas ocasiões: “Olhem para os rostos – não dos candidatos, mas do próprio público, com seus braços e dedos esticados, com seus olhos esbugalhados e, às vezes, lacrimejantes.” “Eu consegui cheirá-lo, e foi ótimo,” comemorou Kate Homrich, que conseguiu chegar perto de Obama em um comício. Outra, Bonnie Owens, ganhou um beliscão do senador de Illinois: “Foi a melhor coisa da minha vida,” declarou.

E não são apenas os eleitores em comícios que se tornam vítimas da idolatria presidencial. Na verdade, as elites políticas americanas – especialistas, comentaristas e estudiosos da presidência – são piores. Quando o presidente Bush viajou para Blacksburg, Virgínia, para prestar solidariedade após o violento tiroteio na Virgínia Tech, em abril de 2007, David Gergen, consultor de um presidente democrata e de três republicanos, comentou: “Em momentos como esse, [o presidente] tira seu quepe de comandante e coloca o robe de consolador.” Leon Panetta, chefe do Estado-Maior no governo Clinton foi ainda mais além: “Sob vários aspectos, [o presidente] é o nosso capelão nacional.”

Artur Schlesinger Jr, ironicamente, autor de The Imperial Presidency [A presidência imperial], captou o consenso moderno, bipartidário, na introdução ao seu estudo de avaliação presidencial de 1996, sustentando que um grande presidente precisaria “ter uma profunda ligação com as necessidades, preocupações e sonhos das pessoas.”

É claro que a capacidade de canalizar o espírito coletivo do eleitorado americano não é uma capacidade de que o magistrado chefe precise para executar as leis com devoção e defender o país de ataques externos. Mas essa visão sem limites da responsabilidade presidencial ajudou a levar-nos a essa concentração de poder presidencial absurdamente elevada.

Entretanto, alguns podem responder que esse papo sobre alma é pura retórica. Afinal de contas, não é que qualquer presidente, preocupado sobre um “mal-estar” espiritual, seja eleito para ser o “czar da alma nacional,” encarregado de melhorar o espírito americano através do poder coercitivo do governo.

Terríveis conseqüências

Mas as idéias têm conseqüências, e poucas idéias tiveram conseqüências piores do que a crença de que os Estados Unidos precisam de cruzadas federais para afastá-los das preocupações privadas, paroquiais e recobrir suas vidas de sentido. Como escreveu David Brooks em 1997, em um ensaio publicado na The Weekly Standard, “...no fim das contas, os propósitos dos Estados Unidos só encontram sua voz em Washington... Sem uma visão nacional vigorosa, somos atormentados pela ansiedade e a inquietação.”

Isso explica porque Washington não só tenta resolver problemas; mas também inicia guerras – às drogas, à pobreza, ao terror, às doenças. Todas têm objetivos nobres, mas seu custo destrutivo é impressionante. Quando aumentou o financiamento destinado à guerra contra as drogas, em dezembro de 2001, Bush declarou que “quando nós lutamos contra as drogas, lutamos pela alma de nossos compatriotas.” Como resultado dessa luta, quase meio milhão de americanos estão atrás das grades por crimes ligados às drogas e os Estados Unidos têm uma população carcerária per capita que faz os números de China e Irã parecerem pequenos.

A idéia do presidente como guerreiro espiritual contribuiu para alguns excessos perigosos na guerra ao terror. Na semana após os ataques de 11 de setembro, Bush anunciou que não apenas responderíamos aos ataques, mas também “acabaríamos com o mal no mundo”. Uma missão tão grande demandaria poderes igualmente grandes – poderes que a população estava disposta a conceder naquela atmosfera pós-11/09.

Cada vez mais americanosse questionam se a presidência se tornougrande demais, poderosa demais e ameaçadora demais. Mesmo assim, nós também queremos que o governo – principalmente o presidente – “faça mais.” E então, quando os terroristas atacam, quando os furacões devastam, quando casas são tomadas por falta de pagamento da hipoteca, quando o mercado de ações cai e quando o preço dos alimentos sobe, nós culpamos inevitavelmente uma única pessoa: o presidente.

Cobrir nossas vidas de esperança, unir-nos em torno de um propósito maior, curar nossas almas sofridas – nada disso é da conta do presidente. No entanto, não nos surpreende ver que os postulantes à presidência agradam nossas expectativas contraditórias. Esse é o trabalho deles. No entanto, se não nos satisfazemos com os resultados, devemos recordar a sabedoria contida no Princípio de Pogo: “nós encontramos o inimigo, e ele somos nós.”

Enquanto nós, americanos, adotarmos – ou mesmo tolerarmos – a idéia de que o presidente é o guardião de nossa alma nacional, teremos pouco direito de reclamar de nossa presidência – cada vez mais – imperial.

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