sábado, 10 de maio de 2008

O Individualismo de Sólon

por Rodrigo Constantino


O Estado deve abster-se de todo esforço por interferência positiva no bem-estar dos cidadãos, e não dar nenhum passo além do necessário para garantir-lhes a segurança mútua e a proteção contra inimigos externos, visto que nenhum outro objetivo deveria constituir motivo para a imposição de restrição à liberdade.
(Humboldt)


Atenas deixou infinitamente mais ensinamentos ao mundo que Esparta, sua inimiga. O período de maior influência de Atenas estende-se até a Guerra do Peloponeso, iniciada em 431 a.C. Esparta saiu vitoriosa dessa guerra, que terminou em 404 a.C. A partir da derrota para Tebas em 371 a.C., entretanto, seu declínio foi vertiginoso, até desaparecer completamente numa terrível guerra civil. O legado de Atenas, por outro lado, brilha até os dias atuais.

Figura fundamental por trás dessa trajetória bem sucedida de Atenas foi Sólon, um grande reformador do sistema legal e introdutor da democracia. O individualismo de Sólon contrastava radicalmente com uma visão coletivista de Esparta. A vida dos espartanos era totalmente dedicada ao Estado, que decidia inclusive sobre o direito de sobrevivência dos bebês masculinos. Os funcionários públicos decidiam tudo, e a idéia principal era diminuir ao máximo os elos afetivos entre pais e filhos. Ao completar 12 anos, os garotos saíam de casa definitivamente, para morar num quartel. Esparta formava o ideal de uma sociedade coletivista dedicada apenas ao militarismo, como seriam as nações comunistas no século XX. A Atenas de Sólan era o oposto!

Em 594 a.C., com um grande conflito de interesses em Atenas, os cidadãos chamaram Sólon para arbitrar a questão. A escravidão por dívida, uma herança da influência mesopotâmica, era o cerne do problema. Sólon tomou seis medidas que foram muito importantes no que tange os direitos individuais. Ele, em primeiro lugar, perdoou as dívidas e aboliu a possibilidade da escravidão servir como garantia real. Depois, permitiu que todo cidadão ingressasse em juízo, caso se sentisse prejudicado. Deu também o direito a recorrer de uma decisão numa instância superior. Introduziu um sistema de votações por meio do qual poderiam ter acesso aos principais cargos públicos os cidadãos que tinham posses mas não pertenciam a famílias aristocráticas. Estabeleceu um conselho de 400 integrantes, que foi posteriormente aumentado para 500. Permitiu, por fim, legar bens em testamento. Plutarco, sobre essa última medida, afirmou que Sólon “fez a propriedade de qualquer homem verdadeiramente dele”.

O código de Sólon teve profundo impacto no Ocidente. Representa o básico sobre direitos individuais, isonomia de tratamento, propriedade privada. Coloca cada indivíduo como um fim em si, e não um meio para algo “maior”, visão coletivista que dominava Esparta e ainda hoje contamina a mentalidade de muitos. Depois de fazer as leis que mudariam para sempre o conceito de governo, e que muito contribuíram para pacificar Atenas, os cidadãos propuseram a Sólon que se tornasse seu rei. Sólon recusou, alegando que os atenienses deveriam ser capazes de resolver seus problemas valendo-se apenas de seu código legal. Afinal, Sólon não duraria para sempre, mas suas leis sim. Isso vai à linha de Aristóteles, que defendia um governo de leis, não homens. Algo completamente oposto à arbitrariedade dos modelos que concentram poder abusivo nos governantes, em nome de objetivos vagos e abstratos, como “justiça social”.

Infelizmente, essas lições, tão antigas, ainda hoje não foram assimiladas por todos. São milhões os inimigos da liberdade individual. São muitos os que ignoram a justiça das leis isonômicas. Não são poucos os que ainda hoje não entenderam o individualismo de Sólon.

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