quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A crise do intervencionismo

Por Diogo Costa no Ordem Livre

Jornalistas, políticos, e intelectuais estão sempre prontos a fazer do liberalismo o bode expiatório de problemas reais ou imaginários. É o que vem acontecendo com a crise do sistema financeiro que endividou os americanos em U$700 bilhões. Para muitos a lógica é simples: "há livre mercado: logo, haverá crise". Usam então diversas analogias para colorir uma conexão simplista. Mas a verificação dos fatos revela que o mercado imobiliário americano não operava em plena liberdade, e sua interpretação correta explica a responsabilidade do governo pelos maus investimentos sistemáticos que culminaram na tempestade econômica atual. Longe de ser uma crise da teoria liberal, essa é uma crise da prática intervencionista.

Quem está acostumado com a literatura liberal não se surpreende quando o título de um artigo do Washington Post afirma que "O bailout aumenta o valor de mercado dos liberais". De fato, os liberais – ou libertários, como são chamados nos Estados Unidos – já previam as conseqüências negativas da expansão do crédito imobiliário por meio de legislações como o Community Reinvestment Act, políticas do Fed e, sobretudo, pela ação de Freddie Mac e Fannie Mae no mercado secundário. Um governo que cria, mantém, e oferece garantias para uma empresa que diz ser sua missão "aumentar o fluxo dos fundos de financiamento da casa própria" acima do nível do mercado dificilmente pode alegar total inocência quando esse fluxo ultrapassa o financeiramente responsável.

A semi-privatização de Fannie e Freddie com a garantia implícita do socorro federal nunca enganou os liberais. Em 1995, quando Fannie Mae ofereceu uma doação de 100 mil dólares ao Cato Institute, uma das principais organizações liberais dos EUA, ouviu um "não, obrigado", porque o Cato não aceita dinheiro de governos.

Naquele mesmo ano o congresso americano fortaleceu o Community Reinvestment Act, pressionando os bancos a fazer empréstimos mais arriscados para famílias de baixa renda, e autorizou Fannie e Freddie a securitizar empréstimos subprime. Em 1996, ficou estabelecido que 12% dos financiamentos deveriam ser destinados a pessoas de baixa renda. Em 2008, essa parcela já havia sido esticada para 28%.

Um banco que a princípio evitaria empréstimos para pessoas com um histórico de crédito ruim teria mais incentivos para assumir o risco desses empréstimos caso pudesse repassá-lo para Fannie e Freddie. E havia mais incentivos para investir nas duas empresas porque os investidores teriam seu risco diminuído pela garantia estatal, tão implícita em Fannie e Freddie quanto a palavra "Federal" em suas iniciais. Ainda em 2004, um estudo do economista Lawrence White alertava para o problema:

"De um lado, a garantia faz com que as taxas de juros de muitos financiamentos de casa própria sejam mais baixas do que seriam; de outro, seu tamanho e modo de operar criaram uma imensa responsabilidade financeira para o governo federal e, em última instância, para os pagadores de impostos. Além disso, seu tamanho e proeminência vêm gerando preocupações quanto às conseqüências que as dificuldades financeiras de qualquer uma delas podem ter na economia americana".

A advertência foi ignorada e, apenas de 2004 a 2006, as duas empresas compraram 434 bilhões de dólares em títulos garantidos por financiamento subprime.

Agora, políticos, burocratas e executivos que aumentaram a bolha corporativista exigiram dos cidadãos americanos ainda mais poder e um crédito bilionário, o que apenas obstrui o necessário processo de auto-ajuste do mercado. Como disse o Professor da Harvard Jeffrey A. Miron: "o fato de que o governo é enormemente responsável pela crise atual significa que qualquer resposta deveria primeiro eliminar as condições que criaram a situação, não tentar consertar o governo ruim com mais governo".

A primeira derrota do plano de socorro foi desdenhada por seus defensores como uma vitória do "populismo liberal". Mas o interesse disperso da sociedade raramente é páreo para os interesses concentrados que se realizam pelas vias políticas. Alimentar Wall Street com dinheiro de impostos também não é liberalismo. O livre mercado é um sistema de lucros e perdas, o que permite que a sociedade faça o uso mais inteligente e benéfico dos seus recursos. Socializar as perdas é montar, como dizem os liberais, um cristianismo sem inferno.

Se os críticos da liberdade econômica acertam em seu diagnóstico de que a ajuda financeira do governo americano representa um maior distanciamento do liberalismo, eles não poderiam estar mais errados quando sugerem que essa ajuda indica um fracasso de políticas liberais. A atual crise é mais um exemplo das exceções intervencionistas que confirmam o bom funcionamento de uma sociedade livre.

Nenhum comentário: