segunda-feira, 23 de junho de 2008

Coisas do Parlamento Caboclo

Editorial do Estadão em 22 de Junho de 2008

Um estudioso que se dedicasse a pesquisar, pelas democracias do mundo, as características próprias dos Parlamentos, com certeza detectaria três originalidades do Legislativo brasileiro. Verificaria, logo de saída, que, ao contrário do que acontece nas Casas legislativas de outros países, onde os parlamentares, sempre sentados em seus lugares, ouvem os colegas que falam da tribuna, sem conversas paralelas, no Parlamento brasileiro ninguém fica sentado. Os parlamentares se aglomeram no centro do plenário, formam rodinhas de conversas, falam em seus celulares e, a não ser em sessões excepcionais (como as de cassação de mandato), demonstram nem estar ouvindo o orador do momento. Até os presidentes das Casas, aos quais são dirigidos os pronunciamentos, muitas vezes se mostram inteiramente voltados para conversas com seus auxiliares, ou sabe-se lá com quem, em seus celulares.

A segunda característica do exclusivo Parlamento caboclo - o que pode ser testemunhado por quem tenha a paciência de assistir, de vez em quando, às sessões legislativas pelos canais de televisão das Casas - são as freqüentes, insistentes, irrelevantes, insignificantes homenagens. A única atividade em que o Senado da República tem sido pródigo é na realização de sessões comemorativas, ou homenageantes, com uma média de três por semana. Não foi sem razão que o presidente da Câmara Alta, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), avisou que pedirá aos colegas da Mesa "providências para conter o excesso de homenagens". Só para citar exemplos recentes: o senador Magno Malta (PR-ES) é autor de um requerimento, já aprovado, para homenagear os 50 anos das lojas de um colega, o Armazém Paraíba, do senador João Vicente Claudino (PTB-PI). Malta justifica: "É uma empresa brasileira que gera empregos." E está justificado. Já a líder do bloco governista, Ideli Salvatti (PT-SC), resolveu homenagear o tenista Gustavo Kuerten. Por sua vez, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) encabeça a lista de parlamentares que querem homenagear o Dia da Criança.

Será que os grandes atletas brasileiros - como o nosso valoroso Guga - e todas as nossas crianças, cujo futuro depende do país que para elas preparamos hoje, muito mais do que "homenagens", o que precisam não é de trabalho árduo dos ilustres parlamentares caboclos, tendo em vista a solução de uma enormidade de problemas pendentes, à espera do esforço de nossos legisladores?

E aqui chegamos à terceira característica exclusiva do Parlamento nacional: trata-se, indiscutivelmente, de um recordista mundial de recessos. Depois de quase dois meses dedicados a votar medidas provisórias e a indicação - sempre algo de iniciativa do governo - de embaixadores e autoridades, o Senado vai parar. O presidente Garibaldi Alves anunciou que os líderes decidiram adotar o recesso branco na semana que vem. Assim, não haverá votações nem desconto no salário dos ausentes.

A razão desse recesso branco? Festas juninas e eleições. A presença dos ilustres senadores da República parece imprescindível nos arraiais, assim como nas convenções municipais e respectivas campanhas para lançamento de candidatos a prefeito e a vereador. Certamente, é assim que os senadores julgam melhor representar as unidades da Federação, conforme as funções a eles designadas pela Carta Magna. As votações no Senado só serão retomadas no dia 1º de julho - e no dia 18 já começa o recesso de meio de ano, que vai até o dia 4 de agosto. Enquanto isso, há uma pauta à espera de votação com 83 propostas, mas que nem deve ser examinada este ano porque o Planalto se incumbe de impor seu filtro seletivo, fazendo entrar para deliberação apenas projetos de seu interesse - como, por exemplo, é o caso da defunta CPMF ressuscitada sob a alcunha CSS.

E a questão da emenda que reduz a maioridade penal, tão importante para equiparar a legislação criminal brasileira às das democracias civilizadas do mundo e reduzir o brutal desrespeito à vida humana vigente neste país? E o projeto de facilitar o exame dos vetos presidenciais, capaz de restabelecer a autonomia da atividade legislativa, que se tornou ancilar do poderoso Executivo? E as denúncias de Denise Abreu sobre a "facilitação" da venda da Varig? Ora, são questões que interessam muito mais à sociedade do que aos governos. Então, recesso nelas!

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